Correio Braziliense, n. 20672, 28/12/2019. Cidades, p. 17

Projeto de lei definirá reajuste da segurança
Alexandre de Paula
Sarah peres


Em nova reviravolta, o reajuste para as forças de segurança do Distrito Federal levará mais tempo para se concretizar. O presidente da República, Jair Bolsonaro, recuou ontem e afirmou que o aumento de 8% para policiais civis e militares, além dos bombeiros, não será mais concedido por meio de medida provisória (MP), como anunciaram o chefe do Palácio do Planalto e o governador Ibaneis Rocha (MDB) no início desta semana, em 24 de dezembro. Um projeto de lei com a proposta será encaminhado em fevereiro para o Congresso Nacional. Dessa forma, reajuste poderá ser retroativo.

Ao conversar com jornalistas na entrada do Palácio da Alvorada, ontem, Bolsonaro explicou que voltou atrás porque conceder a recomposição salarial por meio da MP poderia ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). “Pretendia fazer a MP, mas poderia ser responsabilizado pela LRF. Podíamos resolver grande parte do problema, mas teria de dar 1,5%. Disseram que seria um acinte, mas ajudaria a gente a destravar para o ano que vem”, disse o presidente.

O aviso de que a MP poderia violar a LRF veio da equipe econômica do governo, que reagiu após a assinatura do texto articulado pela Presidência e pelo GDF. Na análise dos técnicos, como não havia previsão orçamentária, Bolsonaro cometeria pedalada ao dar o aumento. Esse tipo de manobra foi responsável pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). “Resolvemos não dar o 1,5% e faremos o PLN (Projeto de Lei do Congresso Nacional) no retorno do Congresso em fevereiro. O projeto entra agora, e acredito que o Congresso aprove”, explicou o presidente.

Um dos aliados mais próximos de Bolsonaro e um dos que articularam o aumento, o ex-deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF) afirmou ao Correio que o reajuste, no projeto de lei, será retroativo a janeiro de 2020. “Está acertado que o PLN segue na primeira semana e será aprovado contando a partir de janeiro”, adiantou o ex-parlamentar. “Foi a única maneira encontrada a partir das recomendações do Ministério da Economia. Sem isso, ele praticaria as tais pedaladas”, complementou Fraga.

Segundo o ex-parlamentar, o aumento será mantido em 8%. “Mas, depois da aprovação da PEC que transfere a gestão do Fundo Constitucional do DF, o governador poderá conceder um reajuste maior, caso tenha dinheiro disponível”, explicou. O projeto de lei, segundo Alberto Fraga, deve ser relatado pelo deputado federal Domingos Neto (PSD-CE).

Frustração

Segundo o governador Ibaneis Rocha, o recuo de Bolsonaro quebra uma expectativa, mas não põe fim ao processo de aumento. “Não nos tira a garra de continuar trabalhando para garantir melhorias aos nossos servidores da segurança pública”, ressaltou. “Como jurista, entendo que a Lei de Responsabilidade Fiscal não está acima da Constituição Federal, já que ela prevê os gastos do Fundo Constitucional, em especial aos das forças de segurança da nossa capital”, argumentou o chefe do Executivo local. O emedebista também ressaltou o “o interesse e a parceria do presidente e de sua equipe no tratamento de questões que envolvam o desenvolvimento da nossa capital”.

Outro parlamentar que participou da articulação pelo aumento, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) diz que a decisão de Bolsonaro trouxe frustração, mas é justificável. Segundo ele, faltou ao GDF uma postura mais proativa para antecipar o problema. Segundo Izalci, a tramitação do PLN deve encerrar-se, no mínimo, em abril. “O PLN precisa passar pela comissão mista de orçamento, que é sempre renovada. Então, será necessário aguardar a formação dela, as primeiras reuniões e a aprovação para só depois debater o assunto no Congresso”, detalhou. “É muito ruim. Houve a primeira frustração com o percentual de aumento, que deveria ser maior e, agora, veio mais essa.”

Poder de decisão

Na reunião em que assinou a medida provisória, o presidente Jair Bolsonaro comprometeu-se a encaminhar para o Congresso Nacional uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para transferir a gestão do Fundo Constitucional para o DF. Assim, o próprio governo local poderia decidir sobre os aumentos.

Frase

"Entendo que a Lei de Responsabilidade Fiscal não está acima da Constituição Federal, já que ela prevê os gastos do Fundo Constitucional, em especial aos das forças de segurança da nossa capital”

Ibaneis Rocha, governador

Memória

Proposta de equiparação

Em fevereiro, o Governo do Distrito Federal (GDF) encaminhou para o governo federal a proposta de aumento de 37% para a Polícia Civil, com equiparação do salário da corporação com a Polícia Federal. Em outubro, o presidente da República, Jair Bolsonaro, afirmou que só autorizaria a recomposição, caso o reajuste fosse o mesmo para militares. Em dezembro, o Executivo local mandou a proposta para militares, de cerca de 31,5%. A resposta do Planalto foi a de que só seria possível conceder 8%. Em 24 de dezembro, o governador Ibaneis Rocha e Bolsonaro se reuniram, e o presidente assinou medida provisória que permitiria o reajuste imediato.

Decepção e confiança

Representantes dos servidores da segurança pública local se decepcionaram com o recuo do presidente da República, Jair Bolsonaro. O Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol) e do Sindicato dos Delegados de Polícia (Sindepo) do Distrito Federal marcaram assembleia para segunda-feira. Rodrigo Franco, presidente do Sinpol, afirma que o desapontamento é maior, porque, para o reajuste da Polícia Civil, ao contrário de bombeiros e militares, havia dotação orçamentária na Lei Orçamentária Anual (LOA) e na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). “A nossa categoria apostou no diálogo, e acreditamos que haveria a mudança no panorama. Inclusive, nós fomos atrás dessa recomposição. Mas, como houve a decisão de o reajuste ser conjunto, acabamos prejudicados”, argumentou. “As cartas estão na mesa e nenhuma possibilidade está descartada, seja a paralisação, seja até mesmo uma greve”, acrescentou.

Na avaliação do coronel reformado da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) e coordenador do Fórum das Associações Representativas dos Policiais e Bombeiros Militares do Distrito Federal, Mauro Manoel Brambilla, o retrocesso na negociação torna todo o processo cansativo. “O assunto da recomposição remuneratória vem sendo tratado desde 2018 e é promessa de campanha do atual governo. Não justifica a falta de previsão legal e orçamentária”, analisou Brambilla.

Luta

Apesar do cenário, o presidente da Associação dos Oficiais da PMDF (Asof), tenente-coronel Eduardo Naime, não vê a recomposição salarial por meio de projeto de lei como um problema. “Há uma quebra de expectativa, pois contávamos com o aumento, não tem como negar, mas manteremos a confiança na palavra do presidente, pois acreditamos ser um entrave fiscal. Vamos aguardar a chegada de fevereiro e as ações de Bolsonaro, pois ele se mostra muito favorável à luta pelos militares”, destacou.