Correio Braziliense, n. 20672, 28/12/2019. Mundo, p. 14 

Constituição em xeque
Rodrigo Craveiro


O presidente do Chile, Sebastián Piñera, e assessores depositaram cédulas falsas dentro de uma urna com os dizeres “Plebiscito Constitucional — 26 de abril de 2020”. Entre sorrisos e de forma teatral, o líder direitista anunciou a consulta popular para decidir sobre a reforma da Carta Magna criada em 1980, uma herança política da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990). “Hoje, firmamos um decreto supremo que convoca todos os chilenos e chilenas a participarem do plebiscito constitucional a ser realizado domingo, 26 de abril do ano que está para começar”, declarou. “Quero convocar com muita alegria e entusiasmo todos nossos compatriotas”, acrescentou. Piñera defendeu que a Constituição seja o grande marco de unidade e de estabilidade, a fim de aparar diferenças legítimas entre os chilenos. “Mas as sociedades civilizadas se resolvem dentro da estrutura da Constituição, e não fora.”

Em entrevista ao Correio, Miguel Ángel López, professor de estudos internacionais da Universidad de Chile, explicou que o plebiscito trará duas perguntas. “A primeira será sobre se os chilenos desejam ou não mudar a Constituição. A segunda contemplará qual forma de mudança: uma convenção constitucional mista, onde os cidadãos escolheriam metade das pessoas que reformarão o texto, ou a eleição de uma Constituinte representada por todos os povos”, disse. Segundo ele, a reforma da Carta Magna não constava dos planos originais de Piñera. O especialista vê a mudança constitucional como base para transformações nos sistemas de saúde, previdenciário e educacional. “É uma maneira de solucionar a crise institucional. Está muito claro que todos os partidos avalizam a reforma e uma série de modificações no sistema político chileno”, afirmou. López destaca que as manifestações dos últimos dois meses e meio paralisaram a economia e polarizaram a sociedade.

Marcelo Mella Polanco, cientista político e professor da Universidad de Santiago de Chile, concorda que o decreto de Piñera é uma maneira de responder à crise política e institucional. “O chamado mapa do caminho parte de um plebiscito para perguntar se os chilenos querem ou não uma nova Constituição e sobre qual deveria ser a composição da Constituinte. Os membros poderiam ser eleitos em outubro de 2020, e um novo plebiscito de ratificação do texto ocorreria em 2021”, comentou à reportagem.

Protestos

No entanto, Mella adverte que a Constituinte provavelmente não encerrará o clamor das ruas. “Os protestos têm fundamentos diversos, em geral vinculados ao modelo capitalista de desenvolvimento e à vigência dos direitos sociais no Chile. O tema constitucional é mais relevante para a população urbana com alta educação. Os chilenos com menor nível de educação ou da zona rural se importam mais com o regime de direitos.” Ele prevê que 2020 será um ano de fortes mobilizações em relação à agenda social e à frustração com o processo da Constituinte.

Na última segunda-feira, Piñera tinha promulgado a lei que permite convocar o plebiscito. “Uma alternativa é uma convenção constitucional inteiramente composta por pessoas eleitas pelo povo. Outra é uma convenção constitucional mista, na qual haverá metade eleita diretamente e a outra metade eleita pelo Congresso”, explicou o presidente, ontem. “Nós, chilenos, teremos a primeira palavra para escolher quais caminhos queremos seguir e quais mecanismos queremos adotar. E se uma convenção constitucional for acordada, nós, chilenos, também teremos a última palavra, porque haverá um plebiscito ratificador, para que a participação dos cidadãos seja ampla e eficaz.”

Frase

"Quero convocar com muita alegria e entusiasmo todos nossos compatriotas a participarem do plebiscito a ser realizado em 26 de abril de 2020"

Sebastián Piñera, presidente