Correio Braziliense, n. 20641, 27/11/2019. Política, p.02

Dallagnol leva advertência

Renato Souza


O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu ontem, por oito votos a três, aplicar advertência ao procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato no Ministério Público Federal no Paraná. A medida ocorreu em razão de críticas que ele fez ao Supremo Tribunal Federal (STF). Outros integrantes da força-tarefa saíram em defesa de Dallagnol.

A advertência, na prática, serve como um registro no currículo, uma espécie de mancha na reputação profissional. O procurador é alvo de outras duas reclamações no órgão. Se houver punição nas demais, ele pode sofrer uma ação ainda mais rígida, como a censura, em que pode ser afastado do cargo temporariamente.

O fato que levou à aplicação da advertência ocorreu em 15 de agosto de 2018. Durante uma entrevista à Rádio CBN, Dallagnol criticou uma decisão da Segunda Turma do STF que determinou o envio para a Justiça Federal e Eleitoral do DF trechos de delação premiada que citavam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro Guido Mantega. “Agora, o que é triste ver (...) é o fato de que o Supremo, mesmo já conhecendo o sistema — e lembrar que a decisão foi 3 a 1 —, os três mesmos de sempre do Supremo Tribunal Federal que tiram tudo de Curitiba e que mandam tudo para a Justiça Eleitoral e que dão sempre os habeas corpus, que estão sempre formando uma panelinha, assim que manda uma mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção”, afirmou, fazendo referência aos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Para o relator do caso, conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, as declarações de Dallagnol consistiram num ataque deliberado aos integrantes do Supremo, constituindo violação a direito relativo à integridade moral. “A alusão de que os ministros da panelinha mandam uma mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção demonstra ausência de zelo pelo prestígio de suas funções, pois deixou de tratar com urbanidade ministros da Suprema Corte, deixando de guardar decoro pessoal e praticando conduta incompatível com o exercício do cargo ocupado”, argumentou.

O conselheiro entendeu que a conduta poderia resultar na pena de censura. No entanto, levou em consideração o histórico de Dallagnol, que não tinha punições anteriores, e substituiu por advertência. Ele foi seguido por outros sete integrantes do conselho. O vice-procurador-geral da República, Bonifácio de Andrada, que presidiu a sessão, foi contra a punição.

Pelo Twitter, Dallagnol explicou as declarações anteriores e disse que apenas utilizou seu direito à liberdade de expressão, garantido pela Constituição. “Minha manifestação decorre de um sistema de Justiça que não funciona, em regra, contra poderosos, e é na omissão e no silêncio que a injustiça se fortalece. O debate dos problemas de nosso sistema é essencial”, escreveu.

Por meio de nota, 14 integrantes da Lava-Jato no Paraná saíram em defesa do colega. “A transparência, a comunicação social e o livre debate público de todos os atos de autoridades, entre estes os atos judiciais, são pilares da democracia, permitindo o conhecimento da sociedade sobre a forma como os casos de corrupção são julgados, e também sobre como o sistema de Justiça funciona para responsabilizar pessoas com alto poder econômico e político”, diz um dos trechos do comunicado.

 

Frase

“Minha manifestação decorre de um sistema de Justiça que não funciona, em regra, contra poderosos, e é na omissão e no silêncio que a injustiça se fortalece”

Deltan Dallagnol, procurador