Correio Braziliense, n.20579, 26/09/2019. Política. p.7

Um amplo acordo com os EUA

Denise Rothenburg


Nova York — O último compromisso do presidente Jair Bolsonaro nos Estados Unidos foi um coquetel com o presidente Donald Trump, no qual os dois conversaram a sós por 15 minutos, em que reforçaram a disposição de firmar um amplo acordo comercial entre os dois países. Quem continuou nos Estados Unidos foi o chanceler Ernesto Araújo e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Eles conversaram com representantes da União Europeia, participaram de uma série de encontros e Araújo ainda representou Bolsonaro na reunião entre Trump e os países do Grupo de Lima – do qual Eduardo não participou.

"O presidente e Trump, realmente, trataram desse tema do acordo comercial. A decisão política está tomada; é preciso ver qual a modelagem. Como é amplo, trataremos de tudo", explicou o ministro, sem entrar em detalhes, quando perguntado se isso incluiria a redução de tarifas para produtos manufaturados e acesso para os produtos agrícolas brasileiros.

Sempre afável com o presidente brasileiro, Trump ainda brincou com Bolsonaro, segundo outros integrantes da comitiva presentes ao coquetel: "Se eu tivesse ouvido seu discurso antes, teria pedido um mais firme para meus assessores", afirmou o ocupante da Casa Branca, segundo relatos dos brasileiros.

BID e Amazônia

O discurso de Bolsonaro, elogiado por Trump, e a decisão de firmar um grande acordo comercial, não foram os únicos saldos da viagem do presidente. O Brasil começou a discutir os alicerces de um novo fundo de investimentos para a Amazônia, via Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O assunto foi tratado numa série de reuniões entre o chanceler Araújo, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e representantes da instituição.

"Isso está avançando muito rapidamente. Tivemos conversas técnicas. O BID é muito bom para isso: tem uma capacidade de canalizar recursos, tem uma confiabilidade e uma institucionalidade muito grande; conhece a região, conhece o Brasil. Não é para substituir o Fundo Amazônia, que está sendo tratado pelo ministro Salles com a Alemanha e a Noruega", comentou Araújo.

"As preocupações que temos em relação ao Fundo Amazônia são com a governança. Achamos que a maneira como é implementado deixa a desejar justamente em termos de transparência, de responsabilidade do que fazem os agentes implementadores, que, em muitos casos, são ONGs. Não é dizer que sejam maus ou bons, mas falta muita qualidade na avaliação dos resultados. Isso é importante corrigir", explicou o chanceler.

Enquanto o Brasil cobra mais transparência de quem aplica os recursos da Amazônia, os europeus estão preocupados com os reflexos da crise das queimadas no acordo Mercosul-União Europeia, conforme a comissária de comércio da UE, Cecília Malmström, manifestou em encontro com Araújo.

"Ela mencionou preocupação de alguns países-membros, que fazem essa ligação. Precisamos intensificar o diálogo, a coordenação para mostrar a situação da Amazônia, a dimensão real da questão, a qualidade das políticas brasileiras e nosso compromisso com a preservação florestal e o projeto desenvolvimento limpo", disse Araújo, defendendo mais "coordenação entre Mercosul, Brasil e União Europeia para tratar isso".

Na avaliação do chanceler, é preciso intensificar o conhecimento da floresta. "Falta informação a eles e a percepção correta do que são nossas políticas. Informação e comunicação são vitais”.

Grupo de Lima

Paralelamente às questões relacionadas ao comércio e ao clima, o chanceler representou o presidente no encontro do Grupo de Lima com Trump, logo pela manhá, no Hotel Intercontinental, onde a comitiva brasileira está hospedada. O encontro serviu para reforçar a posição dos países membros sobre a decisão de promover uma investigação de supostas ligações do regime de Nicolas Maduro, da Venezuela, com organizações criminosas, tirada na reunião do TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, que permite que, quando um país esteja sob ataque, os outros se unam em seu auxílio).

"Foi uma demonstração da unidade dos países dos Grupo e dos EUA em torno da continuação pela pressão pela democracia na Venezuela, numa visão muito clara de que é um processo irreversível que estamos empenhados, pressionando pelo fim da ditadura", explicou o chanceler.

O encontro não tratou de estratégias sobre a crise venezuelana. Representou, sim, uma posição de pressão pela queda de Maduro.

"Está cada vez mais claro que esse trabalho nosso é para valer. Não é uma coisa simplesmente de declarações. É de ação. A estratégia é continuar mostrando que não há nenhuma saída para Maduro e seu regime, a não ser sair do país e devolver a democracia à Venezuela", comentou Araújo. A reunião do TIAR foi segunda-feira passada, em Nova York, e teve como principal pauta investigar se há ligações do regime de Caracas com o crime organizado.

O chanceler considera que, ao participar da reunião, Trump deu um sinal mais claro ainda de que há um empenho do mais alto nível pelo restabelecimento da democracia naquele país.

"Trump falou da situação absolutamente deplorável em que o governo venezuelano colocou o seu país e da nossa disposição de mostrar para toda a comunidade internacional, para os países que ainda não apoiam a transição democrática na Venezuela, de que não vai ficar assim e dos problemas de segurança que causa na região".

A reunião não tratou de intervenção militar. Como disse Bolsonaro, na entrevista exclusiva ao Correio, “não dá para transformar a Venezuela num Vietnã”.