Correio Braziliense, n. 20643, 29/11/2019. Mundo, p. 14

Mudança de rumo



A partir de 1º de março, a direita conquistará mais uma casa no tabuleiro político da América do Sul. Antes mesmo do fim da recontagem de votos, a Corte Eleitoral do Uruguai proclamou o advogado opositor Luis Lacalle Pou como o 42º presidente do país. A vitória do candidato de centro-direita encerra uma hegemonia de 15 anos de governos de esquerda e três mandatos consecutivos do partido Frente Ampla, do atual mandatário Tabaré Vázquez. Até o fechamento desta edição, com 88,82% das urnas apuradas, Lacalle Pou aparecia com 1.074.058 votos contra 984.159 para o engenheiro governista Daniel Martínez, ex-prefeito de Montevidéu e representante da Frente Ampla.

No início da tarde de ontem, Martínez reconheceu a derrota e afirmou que a evolução da nova apuração não modifica a tendência. “Portanto, saudamos o presidente eleito Luis Lacalle Pou, com quem manterei uma reunião amanhã (hoje). Agradeço de coração aos que confiaram em nós com o seu voto”, escreveu no Twitter. “Seguiremos defendendo a democracia com mais força do que nunca.” Por sua vez, o próximo chefe de Estado uruguaio agradeceu “a todos os homens e mulheres que estão defendendo os votos e a democracia em cada mesa, nestes dias”. Ele recebeu os cumprimentos de mandatários da região e prometeu atuar na defesa das democracias e dos direitos humanos.

Na votação do último domingo, a diferença entre Lacalle Pou e o adversário foi de menos de 30 mil votos, o que obrigou a Corte Eleitoral a fazer a nova apuração. Enquanto o centro-direitista teve 1,168 milhão de votos, Martínez conquistou 1,139 milhão. A margem foi inferior aos “votos observados” — quando os eleitores votam em seções às quais não pertencem ou não aparecem no registro —, os quais totalizam 35 mil. Esses votos sempre levam tempo para serem computados, pois a identidade do eleitor deve ser verificada no boletim eleitoral.

Lacalle Pou começou a trabalhar na composição de seu futuro gabinete, que contará com representantes das legendas que participaram da coalizão eleitoral que o apoiou: Partido Colorado (centro), Partido Independente (centro-esquerda), Partido Popular (centro-direita) ) e o Cabildo Abierto (direita).

 

Melhores desejos

Os governos de Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia foram os primeiros a se manifestar sobre a vitória da centro-direita no Uruguai. Em nota, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro anunciou que o presidente Jair Bolsonaro telefonou a Luis Lacalle Pou e o felicitou pela vitória. “O presidente Bolsonaro fez votos de pleno êxito ao presidente Lacalle no desempenho do mandato conferido pelos uruguaios e assegurou sua determinação de trabalhar em conjunto em prol do bem-estar dos dois povos. Convidou o presidente eleito a visitar o Brasil em breve”, afirma o comunicado do Itamaraty.

Por sua vez, o atual presidente argentino, Mauricio Macri, parabenizou Lacalle Pou e expressou o desejo de que os dois países “sigam avançando neste caminho comum pelo bem-estar de nossos cidadãos”. Também em comunicado, a chancelaria de Buenos Aires “reafirma seu firme compromisso de seguir trabalhando com a República Oriental do Uruguai, construindo em nossa região, assim como no Mercosul, um horizonte de crescimento alinhado às aspirações de ambos os povos dos dois lados do Rio da Prata”. Por sua vez, o presidente paraguaio, Marito Abdo, conversou com Lacalle Pou e disse que esperar continuar estreitando os laços de amizade que unem os dois povos. A líder interina boliviana, Jeanine Áñez Chávez, desejou os “melhores votos” para os uruguaios e citou o seu compromisso em trabalharem, juntos, pelo respeito aos valores da democracia e da liberdade.

 

Guinada

O Uruguai fazia parte de um grupo de países que teve governos de esquerda na última década, ao lado da Argentina, com Néstor e Cristina Kirchner; do Brasil, com Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff; e do Equador, com Rafael Correa. Recentemente, a região tem sido palco da ascensão de líderes mais conservadores, como Bolsonaro (Brasil) e Mauricio Macri (Argentina), que entregará o cargo em dezembro novamente para a esquerda peronista. Durante seus 15 anos no poder, a coalizão esquerdista aprovou o aborto em 2012, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a regulamentação do mercado da cannabis em 2013.

Luis Lacalle Pou, filho do ex-presidente Luis Alberto Lacalle (1990-1995) e da ex-senadora Julia Pou, é herdeiro de um movimento político conhecido no Uruguai como “Herrerismo”, nome em referência a seu bisavô paterno, Luis Alberto de Herrera, que fez parte do governo na década de 1950. Foi deputado entre 2000 e 2015 e senador de 2015 até renunciar ao mandato para concorrer à Presidência.