Correio Braziliense, n. 20643, 29/11/2019. Política, p. 02

STF autoriza repasse de dados

Renato Souza
Augusto Fernandes


Por nove votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou o compartilhamento de dados detalhados entre a Receita Federal, Banco Central e a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), e órgãos de investigação, como o Ministério Público e a Polícia Federal, no caso de movimentações suspeitas. Com a decisão dos ministros, caiu uma liminar do presidente da Corte, Dias Toffoli, que paralisava o andamento das investigações contra o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e de centenas de outros casos em todo o país. Na próxima semana, o plenário vai fixar a tese, ou seja, definir as regras que devem ser seguidas por todos os demais tribunais do país. Na quarta-feira, os magistrados devem tratar especificamente sobre UIF, ex-Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

De acordo com o Ministério Público Federal (STF), 935 diligências com participação do órgão foram atingidas pela decisão de Toffoli. Com a revogação da liminar, podem voltar a andar. Toffoli anunciou que a liminar perdeu validade ao final da sessão de ontem, após o voto do ministro Celso de Mello. Com relação ao Coaf, já está definido, pela maioria, que a entidade pode repassar dados para outros órgãos, sem autorização judicial. No entanto, ainda é necessário que o Supremo avalie se o Ministério Público pode pedir informações financeiras de pessoas específicas, ou se poderá atuar apenas para receber esses dados voluntariamente.

Ao todo, quatro sessões foram dedicadas ao tema. No julgamento de ontem, oito ministros entenderam que a Receita Federal pode compartilhar também documentos detalhados sobre contribuintes com atividades suspeitas. A maioria dos magistrados decidiu que o Fisco pode compartilhar documentos como a Declaração do Imposto de Renda e extratos bancários com órgãos investigadores. Em seu voto, Toffoli impôs uma restrição ao intercâmbio destes documentos. No entanto, ao ver que ficaria isolado em sua decisão, de limitar o compartilhamento de dados repassados pela Receita, Toffoli recuou e decidiu aderir à tese fixada pelo ministro Alexandre de Moraes, que não impõe restrições. Com a mudança, Toffoli será o relator do acórdão “decisão” do julgamento, e não Moraes. Votaram a favor da troca de informações de dados detalhados pela Receita com outros órgãos os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Marco Aurélio Mello e Celso de Mello foram contra a troca de dados sem consulta ao Poder Judiciário.

 

Combate ineficaz

Ao votar, a ministra Cármen Lúcia afirmou que não se deve ter restrições de documentos que podem ser repassados pelos órgãos financeiros para a utilização em investigações, pois isso prejudicaria o combate ao crime. “Não cogito ilegalidade ou abuso, mas de mero dever todas as informações que se tenha tido acesso ao Ministério Público… Sem as fontes financeiras encaminhadas ao MP, sobre opinião da existência ou não do crime, o combate a todas as formas, das mais simples às mais sofisticadas, de práticas criminosas, envolvendo grandes organizações internacionais, seria ineficaz”, disse.

O ministro Marco Aurélio divergiu da maioria, e entendeu que seria necessário aval da Justiça para que a Receita compartilhasse dados que estão sob sua tutela. “Se diz que há de se combater a corrupção. Sim, há de se combater a corrupção. Em todas as modalidades existentes. Mas tendo presente que, em direito, o meio justifica o fim, e não o fim o meio, sob pena de se construir uma Praça dos Três Poderes e um paredão, e passarmos a fuzilar os que forem acusados de terem causado algum dano ao setor público”, afirmou o ministro.

 

Frase

“Não cogito ilegalidade ou abuso, mas de mero dever todas as informações que se tenha tido acesso ao Ministério Público”

Cármen Lúcia ministra do STF

 

O que foi decidido

Receita

Pode enviar sem autorização judicial:

» Declaração de Imposto de Renda

» Extratos bancários

» Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP)

 

UIF (ex-Coaf)

Pode enviar:

» Relatórios de Inteligência Financeiras (RIFs)

» Dados gerais sobre movimentações bancárias

» Alertas sobre compras elevadas em dinheiro

» Vitórias sucessivas em loterias

 

O que falta decidir

» O Ministério Público pode requisitar dados da UIF sem aval da Justiça?