Correio Braziliense, n. 20585, 02/10/2019. Política, p. 03

“Não é Lula quem decide sobre pena”

Leonardo Cavalcanti


O desembargador Victor Laus, presidente do Tribunal Regional Federal da [Lª Região (TRF—4), disse ontem que não é o ex—presidente Luiz inácio Lula da Silva quem decide sobre a progressão de sua pena, mas 0 Poder Judiciário. “Uma vez estabelecido o tempo necessário à progressão, ele progride, sim, de regime”, afirmou. Na opinião do desembargador, Lula defruta de uma situação especial em relação aos demais presos, que se compara a uma “regalia”.

“Se ele entender por não pleitear um benefício de cumpri— mento de pena, isso está sujeito a discrição dele. Mas não é ele que administra o sistema, o sistema é administrado pelo Poder Judiciá— rio”, alirmou Laus, em entrevista à Rádio Gaúcha. Na segunda-feira, em carta lida por seus advogados, e ex-presidente afirmou que não aceita “barganhar” direitos por liberdade. O texto foi divulgado após manifestação do Ministério Público favorável a progressão do petista para o regime semiaberto. Preso em regime fechado desde 7 de abril de 2018, Lula já cumpriu um sexto da pena de oito anos e 10 meses à qual foi condenado no processo do triplex do Guarujá.

Ontem, atendendo a pedido da juíza Carolina Lebbos, daVara de Execuções Penais de Curitiba, a Polícia Federal informou que o ex-presidente tem “bom com— portamento carcerário” — outro pré-requisito para a progressão de regime. Além disso, a multa imposta ao petista foi recalculada pelo Poder Judiciário, após a iuiza decidir que houve um erro na aplicação da taxa Selic. O va— lor aumentou de R$ 11,55 milhões para R$ 11,9 milhões.

O desembargador disse ainda que “o ex—presidente sabe que não é bem-vindo na capital paranaense”. De acordo com Victor Laus, a presença de Lula na sede da Policia Federal em Curitiba “está desvalorizando imóveis da região e causando tumulto ã co— munidade que mora nas circun— vizinhanças”. Situaçao especial Na opinião do desembargador, Lula vive uma situação especial em comparação com os de— mais presos. “Na realidade, o ex— presidente desfruta de uma condição especialíssima. Ele não está preso num estabelecimento que, rigorosamente, é destinado a todos os demais presos”, disse. Victor Laus integrou a turma de de— sembargadores do TRF-4 que confirmou em segunda instância a condenação do petista no pro— cesso do triplex do Guarujá. Há 30 anos, o Partido dos Trabalhadores po lariza as eleições brasileiras, desde a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva contra Fernando Collor. Ao longo desse período, tal divisão politica entre o petista e um adversário — qualquer que fosse o da vez — sempre fa voreceu a legen— da, mesmo com as derrotas, pois o PT conseguiu avançar alguns postos nos estados, municípios e no Congresso, para, logo depois, polarizar novamente.

A eleição de 201 8 foi o primeiro momento em. que, para além da.

derrota, o PT não conseguiu se retroalimentar; mesmo que tenha conquistado cadeiras no Legislativo e nos estados. O candidato à.

Presidência Fernando Haddad, passada a eleição — por causa das guerras internas da. legenda e pelo próprio perfil do ex-prefeito —, embicou no quase ostracismo, sem qualquer chance de valorizar os mais de 47 milhões de vo tt,; ;: O motivo principal para afragilidade do partido e da ausência da polarização não está nessa dificuldade, mas na ausência de Lula no debate. Preso numa cela im.provisada na Polícia Federal, em Curitiba, o ex—presidente saiu do jogo ao ter'os direitos poli ticos suspensos. A oposição a Bolsonaro hoje, na base de 30% dos eleitores, não necessariamente formada pelo PY] abrindo espaço para partidos de esquerda — e, mais fortemente, de centro—direita.

Assim, os principais movimentos detectados para a campanha de 2020 foram. feitos pelo governador joão Doria, pelo apresentador Luciano Huck e pelo pedetista Ciro Gomes. Tais nomes ten tam, desde já, quebrar a polarização política, pelo menos no lugarsempre ocupado pelos petistas. A falta de um nome petista levou os atores de outras legendas a buscarem a disputa aberta com. o presidente jóiª.? birsonaro, com a perspectiva de protagonismo.

Mas há um detalhe: os movi— mentos politicos de Lula no imbróglio do “sai da cadeia, fica na cadeia” levam o petista ao debate. Mas, ao contrário do que esperaram. os petistas, tal polari— zação desta vez apenas favorece Bolsonaro. Primeiro, porque está diante de adversário que não pode subir ao ringue, mas que enfurece parte da torcida., justamente os eleitores do capitão reformado. Depois porque atrapalha Doria e Huck.

Os movimentos de Lula em não aceitar a progressão de regime es— tão longe de assustarBolsonaro— quanto mais evidência Lula ganhar; melhor para o atual presidente. E a antítese, a. narrativa clássica do bem contra o mal, a depender do gosto do torcedor: Lula, porém., está fora do combate.

Só quem ganha e' Bolsonaro.