Correio Braziliense, n.20580, 27/09/2019. Mundo. p.13

França em luto por Chirac 



Com uma excepcional trajetória política, político morre aos 86 anos, encerrando um capítulo na história da direita do país. Eleito duas vezes presidente, cargo que exerceu entre 1995 e 2007, é lembrado pelo "não" dado aos Estados Unidos à guerra contra o Iraque

Presidente da França por 12 anos, duas vezes primeiro-ministro e três vezes prefeito de Paris,  Jacques Chirac morreu ontem, aos 86 anos, encerrando um capítulo da história da direita do país e da V República. Um dos líderes mais longevos da história francesa recente, criou e liderou um partido político e foi ministro em várias oportunidades. “Foi um grande francês, livre. Um homem de Estado que amávamos tanto quanto ele nos amava”, sintetizou o presidente Emmanuel Macron, em um discurso transmitido pela televisão.

Na longa trajetória, equilibrou-se entre sucessos brilhantes e fracassos amargos, diante dos quais demonstrou uma excepcional capacidade de sobreviver politicamente. Chirac chegou ao Palácio do Eliseu, sonho de vida, em 1995, depois de duas candidaturas malsucedidas (1981 e 1988) contra o socialista François Miterrand. Internamente, teve como um dos momentos mais marcantes o reconhecimento do Estado francês por crimes nazistas. Foi ele também que decidiu pelo fim do recrutamento militar obrigatório.

No cenário internacional, sua passagem pela Presidência será sempre lembrada pelo “não” à segunda guerra do Iraque iniciada pelos Estados Unidos, citado ontem por Macron. “É o símbolo de uma França independente e orgulhosa, capaz de rejeitar uma intervenção militar injustificada”, afirmou o presidente francês. Em 2002, Chirac fez um contundente alerta sobre a degradação ambiental no mundo. “Nossa casa está queimando”, advertiu.

Em contrapartida, ele foi o primeiro presidente da V República a ser condenado pela Justiça francesa. Em 2011, foi sentenciado a dois anos de prisão com suspensão condicional da pena por um caso de funcionários fantasmas, episódio ocorrido quando era prefeito de Paris. Deixou o poder em 2007, com a saúde debilitada em razão de um acidente vascular cerebral (AVC) sofrido dois anos antes.

O ex-presidente não aparecia em público há vários anos. A última foi em novembro de 2014, no Museu Quai-Branly de Paris, que foi rebatizado em sua homenagem. Frágil, mas sorridente, estava ao lado de um de seus sucessores, o socialista François Hollande. Ironia da história, o ex-chefe do partido Reunião pela República (RPR) havia declarado três anos antes que votaria em Hollande para a presidência, em detrimento de Nicolás Sarkozy, que buscava a reeleição. “É uma parte da minha vida que desaparece hoje”, disse Sarkozy, que foi ministro de Chirac e que mantinha relações tumultuadas com ele.

Condolências

Um minuto de silêncio foi observado na Assembleia Nacional e no Senado, depois que o falecimento de Chirac foi oficialmente anunciado. Em homenagem ao ex-presidente, segunda-feira será um dia de luto nacional na França e uma missa solene será celebrada na igreja parisiense de Saint Sulpice, informou o Palácio do Eliseu, que abrirá as portas excepcionalmente até domingo para quem quiser expressar suas condolências.

Após a divulgação da notícia, líderes do mundo inteiro se manifestaram. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, disse estar “devastado” pela morte de um “grande amigo”.

A chanceler alemã, Angela Merkel, elogiou o “formidável parceiro e amigo”, enquanto o presidente da Rússia, Vladimir Putin, se referiu a Chirac como um líder “sábio e visionário”. Amigo próximo do ex-presidente francês, o primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, o chamou de um “dos maiores homens da França”.

“O presidente Chirac foi um amigo meu e amigo do Brasil. Estadistas com sua visão, capazes de dialogar com líderes de pensamentos diferentes (...) fazem muita falta”, disse o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.

Muito popular depois de deixar o poder, Jacques Chirac nem sempre teve o apoio de seus concidadãos. Após sua derrota em 1988 contra Miterrand, sua esposa Bernadette afirmou que “os franceses não amam meu marido”. Vinte e sete anos depois, uma pesquisa mostrou que os franceses o consideravam o presidente “mais simpático”, muito à frente do socialista Mitterrand, o líder francês mais longevo do pós-guerra, e de Charles de Gaulle.

A causa da morte não foi divulgada. “O presidente Jacques Chirac faleceu esta manhã, ao lado de seus entes queridos e em paz”, anunciou seu genro Frederic Salat-Baroux. Chirac teve duas filhas, Laurence, anoréxica desde a juventude e falecida em abril de 2016, e Claude, que era sua assessora de comunicação.

Frase

“Jacques Chirac foi grande francês, livre. Um homem de Estado que amávamos tanto quanto ele nos amava”

Emmanuel Macron, presidente da França

Datas marcantes

Destaques na vida pessoal e na carreira política de Jacques Chirac

» 29 de novembro de 1932: nascimento em Paris

» 1956-57: serviço militar  na Argélia

» 1967: eleito deputado de Corrèze (sudoeste). Reeleito até 1995

» 1971-1974: ministro várias vezes

» 1974: primeiro-ministro de Valery Giscard d’Estaing.

» 1976: renuncia e funda o partido Reunião para a República (RPR).

» 1977: eleito prefeito de Paris, reeleito duas vezes

» 1981: derrotado por Valéry Giscard d’Estaing no primeiro turno da corrida presidencial, vencida pelo candidato socialista François Mitterrand

» 1986: primeiro-ministro

» 1988: derrotado na corrida presidencial por François Mitterrand

» 1995: eleito presidente em disputa contra o socialista Lionel Jospin. No mesmo ano, foi o primeiro presidente francês a reconhecer a responsabilidade do país na deportação de judeus sob a ocupação nazista.

» 1996: decreta o fim definitivo dos testes nucleares franceses depois de autorizar uma última campanha no ano anterior em Mururoa, na Polinésia Francesa. Em visita a bairros árabes de Jerusalém, protesta  contra a atitude dos serviços de segurança israelenses.

» 1997: início da coabitação, Lionel Jospin nomeado primeiro-ministro

» 2002: reeleito presidente contra o líder de extrema-direita Jean-Marie Le Pen. No desfile de 14 de julho, um militante de extrema-direita tenta assassiná-lo. No mesmo ano, fez um alerta sobre o aquecimento global:

“Nossa casa está queimando”

» 2003: líder do “campo da paz” contra a guerra no Iraque, desejada pelos Estados Unidos

» 2005: sofre acidente vascular cerebral (AVC)

» 2011: condenado a dois anos de prisão com suspensão da pena em um caso de empregos fantasmas na prefeitura de Paris. Torna-se, assim, o primeiro ex-presidente francês condenado pela Justiça» 2016: Morre de sua filha mais velha, Laurence