Correio Braziliense, n. 20590, 07/10/2019. Brasil, p. 6

Papa crítica queimadas e novos colonialismos



Diante de um público que incluía grupos indígenas brasileiros, o papa Francisco abriu oficialmente ontem o Sínodo dos Bispos Sobre a Amazônia com uma dura condenação dos incêndios que agridem a floresta. “O fogo aplicado pelos interesses que destroem, como o que devastou recentemente a Amazônia, não é o fogo do Evangelho”, disse Francisco durante missa solene na Basílica de São Pedro, no Vaticano.

O papa criticou ainda os “novos colonialismos que querem levar adiante apenas as próprias ideias, fazer o próprio grupo, queimar o diferente para uniformizar todos e tudo”. “Quantas vezes o dom de Deus não foi oferecido, e sim, imposto? Quantas vezes houve colonização, em vez de evangelização?”, questionou o pontífice.

O sínodo, que ocorre até o próximo dia 27, deve tratar de temas sociais, ambientais e religiosos dos nove países que têm territórios na Amazônia — Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Guiana, Guiana Francesa, Venezuela e Suriname. Além da preservação ambiental, o encontro vai debater temas polêmicos, como a possibilidade de ordenar homens casados como padres. Também estará em pauta o papel das mulheres nas celebrações litúrgicas e a perda diária de fiéis para as igrejas evangélicas.

Dos cerca de 250 bispos convocados pelo papa para participar do Sínodo, 58 são brasileiros — é a maior delegação. O relator-geral do Sínodo é o cardeal brasileiro dom Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo e presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam).

 

Soberania

Entre os participantes estão religiosos como bispos, padres e freiras, mas também leigos convidados, entre os quais cientistas e pessoas ligadas à Organização das Nações Unidas (ONU). A expectativa é grande sobre os debates, principalmente por conta da crise climática contemporânea e de recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre os problemas ambientais na Amazônia, que repercutiram mal no exterior. O governo brasileiro acompanha o evento com preocupação, temendo discursos que possam estimular interferência na soberania brasileira na região.

Um dos cientistas que participam do evento é o climatologista brasileiro Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Ele integrou a equipe que venceu o Nobel da Paz em 2007 e é um dos mais renomados especialistas do mundo na área. Segundo Nobre, a Amazônia “tornou-se um assunto de preocupação mundial”. “Ainda que não tenha sido planejado para tanto, o Sínodo acontece num momento no qual os desmatamentos e as queimadas vêm aumentando perigosamente e a discussão vem recebendo grande atenção”, disse. “O encontro permitirá que se discutam novos modelos de desenvolvimento para a Amazônia, uma bioeconomia de floresta em pé e com o empoderamento de suas populações.”

O padre jesuíta norte-americano James Martin, consultor do Vaticano, definiu o Sínodo como “um tempo para a Igreja se reunir e meditar sobre os muitos desafios que enfrenta, não apenas em termos de meio ambiente”. “Mas, também, como ajudar a alcançar pessoas em lugares que muitas vezes não são servidos por padres e paróquias”, comentou. “E a maneira como essa região responde a essas perguntas ajudará outras áreas a enfrentar seus próprios problemas através desse importante modo de discernimento.”

Segundo o Instrumento de Trabalho, o documento divulgado anteriormente para nortear as discussões do Sínodo, os bispos também vão discutir a violência, o narcotráfico e a exploração sexual que vitimiza os povos locais, as práticas de extrativismo ilegal, o desmatamento, a poluição dos rios e as ameaças à biodiversidade, a crise climática global, os danos possivelmente irreversíveis da floresta e o posicionamento de governos quanto a projetos econômicos prejudiciais à natureza.