O Estado de São Paulo, n. 46550, 30/03/2021. Política. p.A6

Araújo é demetido; diplomata assume

Carlos França serviu a Jair Bolsonaro e a três ex-presidentes na área do cerimonial e nunca chefiou nenhum posto no serviço exterior

Felipe Frazão/ BRASÍLIA

Sob pressão do Congresso e de empresários, o presidente Jair Bolsonaro demitiu ontem o embaixador Ernesto Araújo, expoente do núcleo ideológico, do cargo de ministro das Relações Exteriores. O novo chanceler será o embaixador Carlos Alberto Franco França, que serviu a Bolsonaro e a três ex-presidentes na área do cerimonial: Fernando Henrique Cardoso, Dilma Rousseff e Michel Temer. Ele trabalhava desde o início do governo Bolsonaro na "cozinha" do Palácio do Planalto, atualmente como chefe da Assessoria Especial da Presidência.

Ernesto Araújo entregou o cargo a Bolsonaro durante uma reunião de última hora no Planalto. Ao presidente, Araújo afirmou que não deseja ser um "problema" na relação com senadores e deputados. Em carta, referiu-se a Bolsonaro como "querido chefe" e disse que se tornou "impossível" seguir no Itamaraty. "Ergueu-se contra mim uma narrativa falsa e hipócrita, a serviço de interesses escusos nacionais e estrangeiros, segundo a qual minha atuação prejudicaria a obtenção de vacinas. Exibi todos os fatos que desmentem tais alegações", afirmou.

Há meses, políticos e setores da economia, como o agronegócio, cobravam a substituição do chanceler, que também sofria resistências de militares e objeção dentro do próprio Itamaraty. A situação piorou na semana passada e atingiu o limite anteontem, quando o ministro acusou a senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, de interceder junto a ele em favor de interesses chineses no leilão do 5G. A acusação de lobby, vista como suicídio político por diplomatas, colocou o governo em novo choque com o Congresso, e motivou mais pedidos de demissão imediata.

Quando o País ultrapassou a marca de 300 mil mortos pela covid-19, sem apoio da base do governo, ele foi sabatinado pelo Senado numa sessão conflituosa, que cobrou sua renúncia. Ao mesmo tempo, o governo indicou que haveria mais atrasos na importação de imunizantes. Ernesto era visto como uma fonte de atritos com autoridades dos países como China e Estados Unidos. Portanto, para políticos e empresários, tornara-se um entrave à obtenção de vacinas. Ao Estadão na semana passada, ele elogiou a estratégia de vacinação e disse que era "terrivelmente injusto" o Brasil ser considerado uma ameaça global. Também disse ter respaldo do presidente por implementar as diretrizes que ele determinava.

Alinhado à ala conservadora do governo, Araújo deu guarida a ideias conservadoras e promoveu eventos com bolsonaristas radicais, e aceitou ceder poder na política externa ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, que atuava como uma espécie de "chanceler paralelo". Eduardo era um dos únicos a apoiar sua permanência no cargo.

Do núcleo influente sobre a diplomacia, também fazia parte o assessor para Assuntos Internacionais Filipe Martins, investigado por fazer um suposto gesto de ódio durante sessão no Senado. Bolsonaro indicou que Martins também poderá ser demitido.

Sucessor. Assim como o antecessor, França assume a chancelaria sem ter chefiado previamente posto no serviço exterior. Ele foi promovido a ministro de primeira classe, o topo da carreira, já no fim de 2019 e, segundo diplomatas ouvidos pela reportagem, fez quase toda a carreira na área de cerimonial.

Já no primeiro ano do governo Bolsonaro, foi cedido por Araújo para assumir a chefia do Cerimonial da Presidência da República. França era assessor-chefe na Assessoria Especial do Presidente, onde trabalham assessores ligados ao núcleo ideológico apelidado de "gabinete do ódio".