O Estado de São Paulo, n. 46548, 28/03/2021. Poítica. p.A5

Para empresários, é preciso 'controlar' o presidente

Donos de empresas, banqueiros e executivos veem na mudança no comando do Congresso um novo canal para as suas demandas

Nas últimas semanas, empresários, banqueiros, economistas – a elite do que se convencionou chamar de “mercado financeiro” – deixaram claro que a paciência com o governo Jair Bolsonaro chegou ao fim. Uma carta escrita por um grupo de economistas (mas também assinada por pesospesados do PIB nacional) cobrando uma mudança radical nos rumos da administração federal, tanto no plano do combate à covid-19 quanto na área econômica, se tornou a face mais visível dessa insatisfação. Mas as conversas e articulações vão muito além disso.

A mudança no comando do Congresso, com a chegada de Arthur Lira (Progressistas-AL) à Câmara e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) ao Senado abriu, segundo empresários, um novo caminho para suas demandas. Não à toa, segundo apurou o Estadão, os dois parlamentares já se reuniram em pelo menos nove oportunidades com grupos de banqueiros, donos de empresas e executivos. Nas conversas, o tom é de que é preciso “controlar” o presidente.

Um empresário que participou de um encontro com os dois na semana passada, em São Paulo, disse, na condição de anonimato, que o que se está buscando, diante da gestão “catastrófica” da pandemia, é um diálogo com o Legislativo, por meio de Lira e Pacheco, que são duas figuras que se mostraram “sensatas”. Segundo ele, com o presidente nenhum diálogo foi possível, já que Bolsonaro não consegue se aprofundar em nenhum assunto e “só faz piada e fala palavrão”. Lira e Pacheco sabem da gravidade da situação e estão funcionando como interlocutores, disse.

De acordo com esse empresário, um dos pontos que mais têm preocupado os empresários é a imagem “nefasta” do Brasil no exterior – o que prejudica diretamente os negócios. E essa imagem ruim está muito ligada ao ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, e a Ricardo Salles, do Meio Ambiente. Segundo ele, a questão ESG (sigla em inglês para ambiental, social e de governança) vem pesando muito contra a imagem global do País e o governo não faz nada.

Lira e Pacheco também se reuniram na semana passada, por duas vezes, com os presidentes dos maiores bancos do País. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que os encontros foram marcados para os CEOs dos bancos conhecerem os novos presidentes das Casas e também para que o setor transmitisse a eles as principais preocupações com a conjuntura.

No encontro, segundo fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast, o presidente da Febraban, Isaac Sidney, disse que os bancos não estavam ali para pedir regras novas ou para fazer lobbies. Os bancos, afirmou, querem previsibilidade para mitigar as incertezas e evitar novas crises de confiança em relação ao Brasil.

O presidente do conselho de administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, que participou de um encontro com Lira e Pacheco na semana passada, disse que as conversas ocorreram enquanto a “gravidade da pandemia vai desorganizando a economia gradativamente”, e que as diferenças políticas, neste momento, têm de ser colocadas de lado. “Temos de dialogar para mobilizar a sociedade, trabalhadores, governos, parlamentares e empresários numa frente de solidariedade se quisermos vencer essa crise, que já ganhou características de crise humanitária”, afirmou. “As divergências e brigas políticas podem ficar para depois.”

Rubens Menin, presidente dos conselhos do grupo MRV e da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), outro presente a um dos encontros em São Paulo, avaliou que o momento do País é “crítico” por causa do número de mortes. Questionado se tem confiança de que o governo de Jair Bolsonaro será capaz de controlar a crise sanitária e econômica, Menin evitou citar o nome do presidente e se classificou como um “otimista com o Brasil”. Ele disse acreditar na aceleração da vacinação nos próximos meses e insistiu no discurso que vem fazendo desde o começo da pandemia. “Não pode haver confusão entre os governos estaduais e federal. As brigas vão ter de acabar ou a sociedade vai cobrar.”

 

Irritação. Embora oficialmente os empresários digam que os encontros com Lira e Pacheco são institucionais, nos bastidores fica claro que os dois são vistos como parte fundamental da solução para a crise do País. Mas a saída pelo impeachment ainda é vista com ressalvas. De acordo com um empresário que participou dessas conversas, o impeachment é um processo longo e desgastante que poderia prejudicar ainda mais a situação do Brasil, e o presidente ainda tem uma fatia grande de apoio popular.

Nos bastidores, fica clara também a irritação com o governo. De acordo com o presidente da uma maiores associações nacionais do comércio, a paciência com Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, está acabando. Para ele, o que move o empresariado é a economia, e a obviedade do fraco desempenho e a ausência total de plano e capacidade de gestão começam a movimentar até os setores que ganham na crise.

Mas há quem faça críticas às claras. “O despreparo de Jair Bolsonaro está levando ao colapso da saúde e da economia. Seus erros estão fartamente documentados. Chegou a hora de dar um basta a tudo isso”, disse Ricardo Lacerda, fundador e presidente do banco de investimentos BR Partners. “O presidente precisa assumir um compromisso com a ciência e com pessoas que trabalhem e deixem a ideologia de lado. Se for incapaz disso, melhor deixar o cargo.” / FERNANDA GUIMARÃES, ALINE BRONZATI, LUCIANA DYNIEWICZ, CIRCE BONATELLI, RENÉE PEREIRA, MATHEUS PIOVESANA e CRISTIANE BARBIERI