Correio Braziliense, n. 20596, 13/10/2019. Política, p. 4

Um continente em ebulição

Renato Souza


Em uma escalada de tensões na América do Sul, cinco países da região vivem em um cenário de grave conflito. Impulsionada por mudanças econômicas e políticas, uma série de revoltas tem preocupado autoridades e colocado em xeque o futuro da geopolítica regional. Maior economia da região, o Brasil não registra casos de rebelião em massa, mas sofre com uma polaridade política que cria rusgas quase que diárias entre as instituições. Colômbia, Equador, Peru, Venezuela e Argentina, porém, mergulharam em problemas internos, crises e situações de violência que chegam a ameaçar a democracia. A situação mais caótica é a da Venezuela, onde uma grave crise política e social resulta na falta de alimentos, na precarização dos serviços públicos e em uma onda de violência nas ruas.

Por trás dos fatores políticos, está uma mudança, silenciosa, mas importante, na configuração econômica regional. Especialistas ouvidos pelo Correio apontam que mudanças econômicas, como a maior aproximação desses países com a China, além de viradas ideológicas no comando dessas nações, estão intrinsecamente ligadas à sequência de problemas no continente. Nos últimos anos, esse processo favoreceu a perda de articulação regional, criando um distanciamento entre os chefes de Estado sul-americanos que inviabiliza a discussão de problemas comuns do continente.

Alguns números da economia brasileira ilustram esse esgarçamento nas relações entre nações latino-americanas.  De acordo com dados do Ministério da Economia, entre janeiro e setembro deste ano, as exportações nacionais para os países da América do Sul caíram 23%, se comparadas a igual período de 2018, movimentando US$ 20 bilhões. Para a Ásia, o recuo foi de 1,3%, mas os embarques chegaram a US$$ 40 bilhões, ou seja, o dobro.

O resultado das eleições na Argentina, agora em outubro, será fundamental para definir os rumos do país e de seus aliados. As pesquisas indicam que o atual presidente, Maurício Macri, está em desvantagem, e pode perder a eleição. Ele chegou ao cargo com a promessa de dar uma guinada à direita, e foi beneficiado por denúncias de corrupção contra sua antecessora, Cristina Kirchner, representante da esquerda nacionalista. No entanto, sem conseguir tirar o país do atoleiro da inflação, do desemprego e das altas taxas de pobreza, Macri perdeu popularidade e pode ter que ceder o posto para a chapa formada por Alberto Fernandez e Cristina Kirchner.

O ex-presidente da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), Pedro Silva Barros, afirma que, apesar de ocorrerem em diferentes países, as crises em andamento no continente têm fatores em comum. “Este é um momento delicado para a região, que enfrenta uma fragmentação política — tanto interna, com aumento da polarização ideológica, quanto entre os diferentes países. Ao mesmo tempo, existe uma recessão econômica, com a diminuição da interdependência comercial. Os países em geral registram queda no PIB, com crescimento negativo ou de, no máximo, 1%a per capita”, diz Barros.

Para o especialista, a redução das negociações comerciais entre os países da região tem forte repercussão no cenário político e social. “Os países da região, de três anos pra cá, têm reduzido o comércio intrarregional. Isso gera mais instabilidade. Alguns presidentes têm falado sobre assuntos internos de outros países, até manifestando o desejo de que determinado candidato ganhe a eleição. Há oito anos, 11% do que o Brasil exportava era para a Argentina. Neste ano, é menos do que 5%, ou seja, é o piso, desde que foi criado o Mercosul, em 1991”, completa.