O Estado de São Paulo, n. 46547, 27/03/2021. Política. p.A10

Congresso cobra Bolsonaro para demitir chanceler

 

 

Presidente dá sinais de que dispensará Filipe Martins para manter Araújo, mas Pacheco avisa que só isso não vai apaziguar os ânimos

Vera Rosa

Daniel Weterman/ BRASÍLIA

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), avisou ontem o presidente Jair Bolsonaro de que o Congresso não dará trégua enquanto não houver a troca do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Contrariado com as insistentes cobranças para demitir o chanceler, Bolsonaro foi conversar com Pacheco na residência oficial do Senado, mas admitiu disposição de dispensar agora somente o assessor especial para Assuntos Internacionais, Filipe Martins.

O senador disse ao presidente, porém, que essa mudança não será suficiente para apaziguar os ânimos porque há uma avaliação generalizada de que Araújo é responsável pelo fracasso das negociações internacionais para a compra de vacinas contra a covid-19. Bolsonaro discorda e não quer agir sob pressão, ainda mais depois que o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), deu a ele um ultimato.

O Estadão apurou, no entanto, que a sobrevida de Araújo não deve durar muito. Nos bastidores, a ala militar do governo tenta convencer o presidente a substituir o chanceler, e não apenas transferir Martins para outro cargo, como ele planeja. O movimento de entregar a cabeça do assessor seria justamente para segurar o ministro.

Na quarta-feira, quando Araújo participava de uma audiência no Senado, Martins fez um gesto considerado ofensivo. No momento em que Pacheco falava, o assessor de Bolsonaro formou um círculo com o polegar unido ao indicador e deixou os outros três dedos esticados. Senadores associaram a atitude ao símbolo de supremacistas brancos, já que o gesto representaria as letras WP (White Power). Martins negou e disse que estava apenas ajeitando o paletó. A atitude é objeto de investigação pela Polícia Legislativa do Senado.

Bolsonaro chegou para a conversa com Pacheco logo após o senador ter feito o primeiro encontro virtual com governadores para tratar das ações que serão tomadas pelo comitê nacional de enfrentamento à covid-19. A reunião foi marcada por críticas ao modelo do comitê criado nesta semana, um ano após o início da pandemia, e cobranças por mais vacinas e leitos.

Na avaliação de governadores, apesar do discurso de “união nacional”, o presidente continua em confronto com medidas adotadas por Estados e municípios, como o distanciamento social. Araújo, por sua vez, é visto por governadores e prefeitos como um ministro que tem atrapalhado as iniciativas de combate ao coronavírus.

Após o encontro com Bolsonaro, Pacheco afirmou que pediu ao presidente mudanças para fazer o Ministério das Relações Exteriores funcionar. “A permanência ou a saída do ministro, de qualquer que seja ele, cabe ao presidente. O que nos cabe (...) é cobrar e fiscalizar as ações do ministério”, argumentou. “E consideramos que a política externa do Brasil ainda está falha, precisa ser corrigida. É preciso melhorar a relação com os demais países, inclusive com a China, porque é o maior parceiro comercial do Brasil”.

Crítico de Bolsonaro e seu possível adversário na eleição de 2022, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), não participou da reunião com Pacheco. Doria escalou para o encontro o vice-governador Rodrigo Garcia. No mesmo horário, o tucano dava entrevista para anunciar o desenvolvimento de uma vacina produzida em São Paulo pelo Instituto Butantan. No ano passado, Bolsonaro chegou a se referir à Coronavac como “a vacina chinesa do Doria”.

 

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Brasil precisa de lideranças’, afirma FHC a empresários

 

Ex-presidente diz ainda que uma candidatura de centro contra polarização não pode ser ‘anódina’ e ‘tem de ter lado’

Marcelo de Moraes/ BRASÍLIA

Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil está “precisando de lideranças”. A uma plateia digital de mais de cem dos principais empresários e dirigentes do setor do varejo que participaram do evento “Quando os presidentes se encontram”, realizado na noite de anteontem pela Gouvêa Ecosystem, o tucano foi direto. Disse que, passada a pandemia do coronavírus, será cada vez mais necessário que o Brasil tenha uma liderança adequada para reorganizar seu rumo.

“Na emergência, vê-se mais claramente a importância da liderança. Se não houver liderança, é difícil a adaptação”, disse o ex-presidente. “Estamos precisando de lideranças no Brasil. Gente que, ao fazer isso, se exponha também. Líder não é quem já sabe. É quem se expõe. Olha, o caminho que eu acho é esse. Você vem comigo? Se for, tudo bem, você vira líder. Se não, você fica sozinho. Liderar não é mandar, é ter aceitação.”

Com o impacto da pandemia sobre a economia, o setor do varejo tem discutido soluções para reagir às dificuldades enfrentadas desde o ano passado. No evento, Fernando Henrique falou sobre o momento político atual e as perspectivas para a eleição de 2022.

Beto Funari, CEO da Alpargatas, questionou o ex-presidente sobre “quais os entraves estruturais vamos precisar priorizar para que o Brasil possa iniciar um novo ciclo de prosperidade socioeconômica”. FHC avaliou que, por causa da pandemia, haverá aumento da desigualdade “porque vai aumentar o desemprego”. “Você não resolve esse tipo de desigualdade do dia para a noite. Isso é um processo”, respondeu o tucano.

“Nós vamos precisar, na sociedade que vem por aí, de mais e não menos governo. É uma afirmação complicada. Porque nós não gostamos de governo. Preferimos as liberdades individuais. Governo é uma coisa, geralmente, burocrática. Não resolve o que achamos importante resolver. Mas, bem ou mal, a sociedade, depois da pandemia, vai precisar de ação governamental. Teremos capacidade de agir? Não é garantido”, continuou o ex-presidente.

 

Polarização. Indagado pelos empresários sobre a provável candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique não escondeu seu receio de que, depois da pandemia, a polarização se concretize, opondo o presidente Jair Bolsonaro – que busca a reeleição – ao petista. “Nessa hora de dificuldade não é hora de ‘nós e ele’. Eu não gosto dessa polarização. É provável que saiamos dessa crise polarizados. Da minha parte, faço tudo para que não ocorra isso. Porque acho que é ruim a polarização.”

O vice-presidente de Relações Corporativas do Carrefour, Stephane Engelhard, perguntou, ainda sobre a polarização, sobre o novo quadro político com a volta do petista ao cenário eleitoral. “Tenho a impressão de que Lula é o candidato dos sonhos do Bolsonaro porque polariza. E, na polarização, ele ganha de novo.”

Na conversa com os empresários, Fernando Henrique também comentou sobre uma possível candidatura de Lula. “Como ele demonstrou no governo menos capacidade de governar do que eu imaginava, acho que dificilmente vai ganhar de novo. Mas pode. Contra o Bolsonaro, vai polarizar de novo. Eu prefiro que não. Se polarizar, é ruim para o Brasil. Por isso, acho que precisamos fazer força para ter um caminho que nos livre dessa alternativa.”

Diante desse quadro, Antonio Carlos Piponzzi, da Drogarias Raia, questionou sobre a possibilidade de surgir uma candidatura competitiva de centro, como essa “alternativa” citada pelo tucano. O ex-presidente reconheceu que esse seria o cenário ideal, mas defendeu que esse perfil de candidato não seja meramente um “meiotermo” entre os extremos representados, segundo ele, por Bolsonaro e Lula. FHC avaliou que o representante dessa corrente precisará ter posições fortes se quiser vencer.

“Centro não pode ser uma coisa anódina. Isso aí não ganha. Centro tem de ter lado. E qual lado tem de ser importante no Brasil? Tem de ser o centro progressista. Tem de ser progressista na economia. Tem de entender que o nosso sistema é esse aí que está e tem de melhorar. Precisamos de capacidade tecnológica. Temos de dar muita atenção à Educação.”

Piponzzi também indagou sobre a possibilidade de haver a candidatura de algum empresário, como Luiza Trajano, da Magazine Luiza, ou do apresentador Luciano Huck. “A chance de ganhar não é grande. Agora, independentemente de ter chances de ganhar, precisa existir essa candidatura. Precisa que alguém tenha coragem. Pode ter conhecimento, experiência. Mas, se não tiver coragem, não adianta. Então, as pessoas têm de lançar-se. Estamos cansados do que já vimos. Então, que se abra um caminho. Se algum deles perguntar a minha opinião, vou falar: ‘lancem-se’.”

 

‘Lado’

“Centro não pode ser uma coisa anódina. Isso aí não ganha. Tem de ser o centro progressista.”

Fernando Henrique Cardoso

EX-PRESIDENTE