Correio Braziliense, n. 21351, 30/08/2021. Economia, p. 7

Desafio para fechar as contas
Rosana Hessel
30/08/2021



Governo envia amanhã proposta orçamentária de 2022 ao Congresso. Sem fonte clara de recursos, programas prometidos por Bolsonaro podem estourar teto

Termina amanhã o prazo para que o ministro da Economia, Paulo Guedes, envie ao Congresso o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2022. A expectativa em torno do que será encaminhado é grande, devido à falta de espaço para os novos gastos prometidos pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que tentará a reeleição, e à guerra por recursos que será travada tanto dentro do governo quanto no Legislativo.
Com a popularidade em queda, Bolsonaro aposta em medidas como o novo Bolsa Família e o reajuste de servidores civis para reduzir a rejeição da população, que sofre com desemprego recorde e aumentos sucessivos nos preços dos alimentos, da conta de luz, do gás e da gasolina. A equipe econômica, entretanto, ainda não apontou as fontes de recursos desses novos gastos, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

A disputa por recursos não será apenas entre os ministérios, mas envolve também questões como o pagamento dos precatórios — dívidas judiciais da União — e as emendas parlamentares, que somaram R$ 35,5 bilhões no Orçamento deste ano, o equivalente a um Bolsa Família. Desse montante, cerca de R$ 20 bilhões serão as polêmicas emendas do relator-geral, que devem ser corrigidas pela inflação e foram preservadas por Bolsonaro na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do próximo ano.
O especialista em contas públicas Fabio Klein, da Tendências Consultoria, vê com muita preocupação a manutenção das emendas do relator-geral na LDO, porque vai repetir os problemas do Orçamento deste ano. "O volume é muito elevado e não tem transparência na distribuição", alerta.

Além das promessas de Bolsonaro de um Bolsa Família turbinado, medidas recentemente aprovadas pelo Congresso, como o novo Refis, e até mesmo o Fundo Eleitoral de R$ 5,7 bilhões, cujo veto ainda pode ser derrubado integral ou parcialmente, não cabem dentro do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior. Elas devem somar mais de R$ 75 bilhões, pelo menos, tornando a tarefa de fechar as contas um grande desafio.

O governo vinha apostando numa folga do teto gerada pelo avanço do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que acumulou alta de 8,35% em 12 meses, até junho. Mas essa margem extra, que já chegou a cerca de R$ 50 bilhões no início do ano, ficará bem abaixo de R$ 20 bilhões, correndo o risco até ser nula se o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que corrige cerca de 70% das despesas obrigatórias, superar o indicador que corrige o limite do teto.

"Se a inflação continuar forte ao longo do segundo semestre, essa folga poderá ser zerada no fim do ano", alerta a especialista em contas públicas Juliana Damasceno, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ela reconhece o mérito de um programa social mais robusto, a fim de reduzir a desigualdade de renda no país, mas lembra que o governo está com dificuldade de encontrar fonte de receita para essa nova despesa.

Distorções
Cortar subsídios, que vem sendo uma das soluções apontadas pela equipe econômica, é bastante complexo, principalmente, porque os maiores gastos tributários dificilmente serão reduzidos, como os do Simples Nacional e os da Zona Franca de Manaus. Outros, como as isenções às entidades sem fins lucrativos, tiveram até aumento, quando Bolsonaro perdoou as dívidas de igrejas a fim de preservar a base de apoio dos evangélicos.

"Há renúncias em que o governo não pode mexer, porque estão protegidas, e outras que, se suprimidas, podem levar à falência várias empresas. Corrigir essas distorções será difícil, porque não há transparência nesses gastos e nem uma avaliação do impacto econômico dos incentivos", destaca a pesquisadora do Ibre. Para ela, haverá demora na tramitação do Ploa, cuja aprovação poderá ficar para o ano que vem, como já ocorreu com a peça orçamentária deste ano.

Os ministérios já enviaram as previsões orçamentárias para a Economia, mas evitam comentar o assunto antes da divulgação do Ploa. A Saúde, por exemplo, tem uma estimativa de despesa de R$ 134 bilhões para o ano que vem — dado 25,7% menor do que o autorizado em 2021: R$ 180,5 bilhões. Uma das dúvidas dos analistas da pasta é se os gastos com vacinação continuarão fora do teto, devido à ameaça da variante Delta do novo coronavírus.