Correio Braziliense, n. 21351, 30/08/2021. Política, p. 4

Brasil, um avizinho tóxico
Jorge Vasconcellos
30/08/2021



Instabilidade causada por ataques de Bolsonaro e alguns dos seus seguidores ao Estado Democrático de Direito é visto com preocupação por diplomatas de nações sul-americanas. Apesar de não crerem em golpe, temem desgastes políticos e econômicos

O clima de instabilidade democrática no Brasil têm trazido a países sul-americanos preocupações importantes, agravadas pelas incertezas sobre os objetivos das manifestações em apoio ao presidente Jair Bolsonaro e contra o Supremo Tribunal Federal (STF), marcadas para o dia 7 de setembro. Embaixadores ouvidos pelo Correio, em caráter reservado, expressaram diferentes opiniões sobre a crise, mas acreditam que a democracia e as instituições brasileiras são bastante sólidas para enfrentar mais este momento de dificuldade.

As ameaças de Bolsonaro contra a realização das eleições de 2022 são a maior preocupação dos diplomatas estrangeiros, já que governantes que seguiram esse caminho foram rejeitados pela comunidade internacional e deixaram seus países isolados e empobrecidos.

A preocupação dos embaixadores é grande porque da estabilidade democrática no Brasil dependem pautas importantes para a região. Uma delas é o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, que poderia gerar um aumento do PIB brasileiro de US$ 87,5 bilhões em 15 anos, segundo estimativa da equipe econômica. O bloco europeu, que já vem resistindo a ratificar o acordo por conta dos recordes de devastação da Amazônia, enterraria de vez essa possibilidade caso o país embarque em uma aventura autoritária. E isso afetaria imediatamente os interesses das demais nações que integram o bloco sul-americano.

Nos últimos dias, no Brasil, aumentaram as preocupações de magistrados, de parlamentares e de representantes da sociedade civil com a possibilidade de haver um golpe de Estado ou outro tipo de ruptura institucional impulsionado pelos atos do próximo feriado. Vários organizadores desses eventos passaram a ser investigados pela Polícia Federal depois que ameaçaram invadir e "quebrar" o STF para retirar "na marra" os ministros dos seus cargos.

"Informamos regularmente os nossos países sobre tudo o que acontece na política e na economia brasileira", diz um embaixador sul-americano com posto em Brasília. "A minha impressão é de que existe um barulho preocupante, do ponto de vista noticioso. É preocupante, mas não tenho a certeza de que haverá um golpe de Estado, uma ruptura institucional, uma situação sem retorno. Acredito que não. As instituições brasileiras são muito fortes", afirma.

Conhecedor dos meandros da política brasileira, o diplomata atribui esse "barulho" à necessidade de Bolsonaro de reforçar o discurso agressivo para não perder o apoio dos seguidores mais radicais. Ele diz que, em grande parte, essa "tensão perigosa" é motivada "por um governo que tem necessidade imperiosa de reconquistar a credibilidade de um grupo de apoiadores, que são de extrema direita, porque a percepção desses apoiadores é de que o Centrão está já controlando a política brasileira, e o governo tenta um discurso alternativo". Nesse ponto, ele faz uma referência ao bloco político com o qual Bolsonaro barganhou cargos em troca de apoio no Congresso.

Influência externa
O diplomata diz torcer para que não haja retrocessos na democracia brasileira, ao mesmo tempo em que considera que ainda estão ausentes os elementos que, segundo ele, prenunciam um golpe de Estado. "Golpe de Estado é diferente. Ele envolve todos os Poderes, mobilizações, manifestações de rua expressivas, a favor e contra, um ambiente de violência, não só verbal, mas, também, a violência física. Envolve muitos elementos para o período prévio que não está presente, necessariamente, no Brasil", analisa.

Com opiniões diferentes, um outro embaixador de um país vizinho ouvido pelo Correio atribui a crise brasileira a uma possível influência externa — sem, no entanto, dizer qual seria a origem. Ele diz que o seu país está enfrentando esse tipo de interferência.
"Estou seguro que as democracias têm inimigos no mundo. E esses inimigos buscam afetar a tranquilidade dos nossos países e a solidez da nossa democracia. Mas eu lhe asseguro que tenho certeza que tanto no Brasil, quanto no meu país, não somente a sociedade, o povo, defenderá sua democracia, como também suas Forças Armadas, suas forças militares, que são, absolutamente, nos nossos dois países, amigas por meio da democracia", explica o diplomata.

Ele salienta que muitos países enfrentam influências externas quando estão às vésperas de eleições. "O meu país e o seu país estão vivendo um momento de intranquilidade e de incerteza. Teremos muitos problemas de protestos e confrontos e, seguramente, há influências externas. Mas eu penso que esses são processos normais, sobretudo com a aproximação das eleições, das trocas de governo. Mas eu repito: tenho absoluta tranquilidade e confiança nas nossas democracias", afirma.