O Estado de São Paulo, n. 46546, 26/03/2021. Política. p.A10

AGU cita 'uso econômico' da Lei de Segurança; esquerda vai ao STF

 

 

Para Advocacia-Geral da União, LSN é compatível com princípio da liberdade de expressão; PT, PSOL e PCdoB pedem revogação

Em manifestação encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu a validade da Lei de Segurança Nacional (LSN), instrumento jurídico promulgado ainda na ditadura que tem sido utilizado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro contra opositores. A legislação é alvo de quatro ações apresentadas por partidos políticos – a mais recente delas protocolada ontem pelo PT, PSOL e PCdoB – que acionaram a Corte para derrubar total ou parcialmente o texto.

A manifestação da AGU foi enviada ao Supremo no âmbito de uma ação movida pelo PTB no início do mês, após a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ). Ele foi detido com base na lei, por ordem de Alexandre de Moraes, do STF, após divulgar vídeo com ameaças e insultos a ministros da Corte e fazer apologia ao Ato Institucional número 5 (AI-5), o instrumento mais duro de repressão da ditadura militar.

"A fim de demonstrar os limites e garantir a permanência do Estado Democrático de Direito, a Lei de Segurança Nacional tipifica condutas que, de alguma forma, pretendam violar o regime democrático e as instituições republicanas. A Lei de Segurança Nacional mostra-se compatível com os direitos e preceitos fundamentais, inclusive com a liberdade de expressão", sustenta a AGU.

O órgão destaca que a aplicação da lei deve ser "econômica e limitada às condutas que, de fato, se amoldem ao seu escopo, representado pelo dolo direto de atentar contra a segurança nacional", conforme apontado em nota da subchefia para Assuntos Jurídicos da SecretariaGeral da Presidência da República, mencionada no documento.

A LSN também tem sido utilizada pelo ministro da Justiça, André Mendonça, para embasar pedidos de investigação contra jornalistas e críticos do governo. Na semana passada, cinco manifestantes foram detidos, com base na lei, após estenderem uma faixa com os dizeres "Bolsonaro Genocida" em frente ao Palácio do Planalto.

Além do PTB e da ação conjunta das siglas de esquerda, PSDB e PSB também questionaram a lei no Supremo. As ações são relatadas pelo ministro Gilmar Mendes. Na ação movida ontem, PT, PSOL e PCdoB pedem a derrubada da LSN. Os partidos apontam o "uso deturpado" da lei para perseguição política de opositores e lembram a explosão de investigações abertas com base nela na gestão do presidente Jair Bolsonaro.

Levantamento do Estadão mostrou que o número de procedimentos instaurados pela Polícia Federal para apurar supostos delitos contra a segurança nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro em comparação com o mesmo período das gestões Dilma Rousseff e Michel Temer.

"O que se verifica crescente nos últimos tempos é a instrumentalização de norma penal para fins exclusivamente políticos. O objetivo subjacente a isso é privilegiar autoridades – notadamente, as governamentais – por meio da supressão da liberdade de manifestação", argumentam os partidos na ação.

Herança. A Lei da Segurança Nacional foi sancionada em 1983, durante a ditadura militar, pelo presidente João Figueiredo, para listar crimes que afetem a ordem política e social – incluindo aqueles cometidos contra a democracia, a soberania nacional, as instituições e a pessoa do presidente da República. Ao Supremo, PT, PSOL e PCdoB dizem que a lei carrega "herança totalitária em seu nascedouro".

"Toda a construção ideológica da legislação de segurança nacional esteve e está focada na noção nefasta de "inimigo interno"", escrevem. "Considerando os presentes tempos de guinada autoritária – onde se chega ao ápice de se discutir se as Forças Armadas são o Poder Moderador de nossa República –, a democracia não pode ser desguarnecida de proteção jurídica, não se afastando a sua concepção de bem juridicamente tutelado. Ao passo que o ranço autoritário da Lei de Segurança Nacional não pode ser revivido pelo atual poder vigente para reacender na sociedade brasileira a censura, o medo e a mordaça", acrescentam. / RAFAEL MORAES MOURA, R.M. e P.O.

Ações

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ações já foram apresentadas por partidos políticos ao STF para derrubar total ou parcialmente a Lei de Segurança Nacional; a mais recente foi protocolada ontem por PT, PSOL e PCdoB