Correio Braziliense, n. 20600, 17/10/2019. Economia, p. 7

Desigualdade volta a crescer no Brasil

Rosana Hessel
Gabriel Pinheiro


Maria do Socorro Camelo, 70 anos, é lavradora e moradora de Santa Luzia, bairro ao lado da Cidade Estrutural, a 16 quilômetros da Rodoviária do Plano Piloto. Ela sobrevive, com muita dificuldade, com R$ 600 por mês. Socorro faz parte do grande contingente da população que perdeu renda nos últimos anos, enquanto a estreita fatia mais abastada da sociedade aumentou a concentração de renda, tornando o país, cada vez mais, desigual, conforme dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad).

A agricultora é responsável pelo sustento de oito pessoas. “Às vezes nós não temos água e nem luz aqui. Ainda bem que, às vezes, recebemos doações de roupa”, conta ela, que veio do Maranhão, onde trabalhava quebrando coco na roça. “Nunca fui beneficiária do Bolsa Família. Mal dá para sobreviver. Não consigo pagar meus remédios. Sou diabética e tenho problemas de pressão”, disse. Ela reclama da falta de cuidado dos administradores da cidade. “Tem muita pulga e rato aqui onde a gente mora. Queria que eles olhassem mais para a gente que é pobre. Com fé em Deus, as coisas melhoram”, completou.

Anderson Mota Júnior, 20, estudante de medicina em uma universidade particular reconhece que é privilegiado economicamente. “Seria muita inocência e falta de honestidade dizer que não”, afirmou.  Para ele, o Brasil é um país evidentemente desigual em muitos fatores, como estudo, desenvolvimento social, acesso à saúde e ao lazer. O futuro médico já participou de atendimentos às comunidades carentes gratuitamente. “Acredito que ações sociais impactam também de forma produtiva, na medida em que atende uma demanda sem cobrar nada de volta”, destacou.

De acordo com os dados do IBGE, o abismo entre Anderson e Maria do Socorro está cada vez maior. O Índice Gini, principal termômetro da desigualdade social, voltou a subir no país, alcançando 0,545, o maior patamar da série histórica do instituto, iniciada em 2012. Esse indicador vinha caindo até 2015, mas voltou a subir após a recessão que fez o Produto Interno Bruto (PIB) encolher 3,5%, naquele ano, e mais 3,3%, no seguinte.

Em 2017, o PIB brasileiro avançou 1,1%, mesma taxa de 2018, ou seja, andou de lado, e deve crescer menos neste ano (0,9% pelas novas estimativas do Fundo Monetário Internacional). Nesse período, o rendimento médio de 30% da população que ganha até R$ 951 — menos do que um salário mínimo, de R$ 998 —, como é o caso da moradora da Estrutural, teve queda no rendimento médio mensal (veja quadro ao lado). Já a população mais rica, com ganho médio de R$ 27,7 mil ao mês, registrou aumento de 8,4%, sinal de aumento da concentração de renda. Na média nacional, o rendimento mensal de todos os trabalhos cresceu 2,3%, em termos reais.

“O dado do IBGE tem um lado positivo, mostra que a renda média cresceu, mas tem o lado ruim, que é o aumento da desigualdade entre 2014 e 2018, confirmando as prévias anteriores”, avaliou o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, da Fundação Getulio Vargas. “O problema é que a recessão veio acompanhada do aumento da desigualdade. Desde 2014, a renda média dos mais ricos cresceu 9,4% enquanto os 5% mais pobres perderam o poder aquisitivo em 39,3%. É um crescimento chinês negativo de pobres”, lamentou Neri.

O sociólogo Pedro Ferreira de Souza, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), demonstrou preocupação com a tendência de aumento da desigualdade, devido ao baixo crescimento da economia. “Isso é muito preocupante. A renda está crescendo muito pouco e a economia dá sinais de estagnação. Essa piora na desigualdade não é explosiva, mas considerando que a atividade econômica está muito devagar, esses dados me chamaram  a atenção”, avaliou. Para ele, a concentração de renda pode ser maior do que a apontada pelos dados do IBGE, porque a média da Pnad costuma ser 40% menor do que o rendimento real desse 1% da população mais rica.

O que é

É um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Indica a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um, sendo o zero situação de igualdade (todos com a mesma renda) e um, o extremo oposto, em que uma única pessoa detém toda a riqueza. Na prática, o índice costuma comparar os 20% mais pobres com os 20% mais ricos.