Correio Braziliense, n. 20603, 20/10/2019. Mundo, p. 13

Mais um capítulo na novela



O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, terá de começar uma rodada de consultas aos governos dos 27 países-membros sobre os próximos passos para o desligamento do Reino Unido do bloco. A 12 dias de se tornar efetivo, o Brexit entrou em novo impasse com a derrota sofrida no parlamento britânico pelo primeiro-ministro Boris Johnson. Uma lei aprovada em setembro pela Câmara dos Comuns determinava que o governo pedisse à União Europeia (UE) um adiamento caso um acordo sobre a saída não fosse aprovado até ontem. Johnson conseguiu um acerto com Bruxelas, mas os deputados decidiram por uma emenda que condiciona o exame da proposta à votação prévia de toda a legislação necessária para a implementação dos termos.

Tusk recebeu na noite de ontem, dentro do limite estabelecido pelos parlamentares britânicos duas cartas enviadas pelo primeiro-ministro, segundo informou à emissora pública BBC uma fonte do gabinete. A primeira, em cumprimento à lei adotada em setembro, solicita o adiamento do Brexit — mas não leva a assinatura do chefe de governo. A segunda, firmada por Johnson, explica aos dirigentes europeus que o premiê considera “um engano” prorrogar uma vez mais a separação. A Comissão Europeia (CE, braço executivo da UE) tinha pedido a Londres que indicasse “o mais rápido possível” o caminho a seguir. “Cabe ao governo britânico nos informar sobre as nova etapas”, tuitou a porta-voz Mina Andreeva.

“Direi aos nossos amigos e colegas da UE que outro adiamento seria muito ruim para este país, ruim para a União Europeia e ruim para a democracia”, declarou Johnson em público depois de mais uma derrota na série que sofreu desde julho, quando assumiu o cargo. Escolhido pelo Partido Conservador para suceder a premiê Theresa May, que renunciou depois de ver rejeitado três vezes pelo parlamento o acordo que tinha negociado com Bruxelas, o novo chefe de governo sustenta desde então que o país deixará o bloco em 31 de outubro, com ou sem acordo.

Em mensagem endereçada aos parlamentares — tanto os deputados quanto os integrantes da Câmara dos Lordes —, Johnson alertou que um novo adiamento do Brexit depende da aceitação unânime dos governos dos 27 países-membros do bloco. Reiterou que “não negociará” um novo prazo e arrematou: “Direi à UE o mesmo que tenho dito aos britânicos nos meus 88 dias como primeiro-ministro: que prorrogar uma vez mais não será a solução”. Reagindo à votação desfavorável, o chefe de governo garantiu que não se sente “desalentado” e sinalizou que poderá voltar à carga na segunda-feira, enviando ao parlamento, na forma de projeto de lei, a aprovação do “excelente acordo” que fechou com o bloco.

Oposição

A emenda aprovada na Câmara dos Comuns, por 322 votos contra 306, foi proposta pelo deputado Oliver Letwin, um independente que rompeu com o Partido Conservador por diferenças com o premiê sobre a condução do Brexit. O resultado da votação reflete a grande dificuldadade do governo não apenas para administrar a novela do “divórcio” com a UE, mas para implantar o seu programa. Assim como Letwin, outros parlamentares abandonaram a bancada conservadora e se somaram à oposição, que busca impedir que o país deixe o bloco continental sem qualquer tipo de acordo — uma opção jamais descartada por Johnson, embora tenha sido proibida pela lei votada em setembro. Outros foram afastados do partido pelo primeiro-ministro, justamente por terem votado favoravelmente a ela.

Embora tenha dificultado os planos de Johnson, a emenda apresentada pelo dissidente tinha como alvo os partidários do “Brexit duro”. A manobra impediu que eles aprovassem o acordo levado pelo premiê e depois obstruíssem a legislação complementar, forçando a saída sem acordo no dia 31.