Correio Braziliense, n. 20603, 20/10/2019. Mundo, p. 12

Rumo ao tira-teima



É com grau máximo de expectativa e incerteza que 7,3 milhões de eleitores vão hoje às urnas, na Bolívia, decidir o futuro do presidente Evo Morales, no poder desde 2006. Primeiro representante da maioria indígena a governar o país, ele é também o último representante da safra de lideranças da esquerda nacionalista que comandou a América do Sul nas últimas duas décadas. Embora desgastado pelo longo período no cargo, assim como pela desaceleração da economia e por denúncias de corrupção, Morales se mantinha à frente do principal adversário, o ex-presidente centrista Carlos Mesa. Mas dificilmente conseguirá os votos necessários para conquistar o quarto mandato consecutivo em primeiro turno. Pior: seja qual for o vencedor no segundo turno, assumirá a presidência sem maioria sólida no Legislativo, o que prenuncia um período de instabilidade nos próximos anos.

As últimas pesquisas de opinião mostravam o presidente com cerca de 33% dos votos, seguido por Mesa, como 27%. Para ser eleito hoje, um candidato precisaria de mais de 50% dos votos ou, no mínimo, 40%, desde que com vantagem superior a 10 pontos sobre o segundo colocado. Apesar da incerteza decorrente da porcentagem elevada de indecisos, o prognóstico que prevalecia entre os analistas apontava para um tira-teima sem favoritos entre Morales e Mesa, que conseguiu agrupar aliados desde a direita até o centro-esquerda — em boa parte, pelo cansaço com 13 anos de governo do Movimento ao Socialismo (MAS). “Tudo pode acontecer”, resignava-se Amaru Villanueva, estudioso do escritório local da Fundação Friedrich Ebert, com sede na Alemanha.

“Peço mais cinco anos para terminar nossas grandes obras”, disse Evo Morales no comício de encerramento da campanha, em El Alto, “feudo” de seu partido a 4 mil metros de altitude, na região de La Paz. “Não me abandonem em 20 de outubro”, insistiu. Na véspera, em Santa Cruz, reduto da oposição próximo à fronteira com o Brasil, o presidente acusou o adversário de defender o realinhamento da Bolívia com os governos de direita que hoje predominam na vizinhança, aos quais chamou de “submissos aos Estados Unidos”.

As alianças de Morales com Venezuela, Cuba e Irã foram alvo de ataques da oposição ao longo da campanha, assimo como a desaceleração da economia — que, mesmo assim, ostenta uma taxa de crescimento no patamar de 4%, acima da média sul-americana. Mas a perspectiva de que o presidente siga para o quarto mandato deu o tom para o discurso final de Mesa aos eleitores, em Santa Cruz. “Em 20 de outubro vamos derrotar o autoritarismo de quase 14 anos”, convocou o candidato, que recebeu como resposta gritos por “democracia”. Antes, em La Paz, Mesa havia explorado o mesmo tema: “Temos de decidir entre o caminho da ditadura e o da construção democrática”.

Desgaste

Morales, 59 anos, foi eleito pela primeira vez, em 2006, com 54% dos votos. Convocou uma assembleia que redigiu a nova Constituição do atual Estado Plurinacional da Bolívia e submeteu-se a novo pleito em 2009, quando foi reeleito com 64% dos votos, para um período de cinco anos, inicado em 2010. Em 2015, foi reempossado para o atual mandato, conquistado com 61% dos votos. Ao longo dos últimos 13 anos, o país beneficiou-se da alta dos preços do gás, sua principal fonte de divisas, cuja exploração e comercialização foram nacionalizadas pelo governo de esquerda.

Sobre essa base, o presidente indígena impulsionou programas sociais que reduziram expressivamente a pobreza, mas a queda dos preços das commodities obrigaram o governo a contrair empréstimos que comprometem a estabilidade econômica. “O modelo teve êxito durante alguns anos, mas não é mais sustentável”, sentencia Michael Schifter, presidente do Diálogo Interamericano, centro de análises com sede em Washington.

7,3 milhões

Total de eleitores inscritos na votação de hoje