O Estado de São Paulo, n. 46541, 21/03/2021. Notas&Informações. p.A3

Sinal verde para o saneamento

 

 

O Novo Marco do Saneamento foi completado. Finalmente. O Congresso manteve os vetos presidenciais, notadamente aquele que abria a possibilidade de renovação sem licitação dos contratos das estatais por mais 30 anos. É digno de nota que, ao rever a disposição inicial da norma, o governo e depois o próprio Congresso priorizaram a alta política (o interesse público) em vez da baixa política (os interesses corporativos, partidários e eleitorais).

Nenhum setor expõe mais o atraso e a desigualdade no Brasil do que o saneamento. Cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável; 100 milhões (quase metade da população) não têm coleta e tratamento de esgoto; e quase 39% de toda a água encanada é desperdiçada.

O cenário é triplamente adverso. Primeiro porque esses índices estão abaixo da média de outros países em condições socioeconômicas similares às do Brasil. Depois porque em média os investimentos não só são baixos (menos da metade dos R$ 24,9 bilhões anuais necessários para atingir a meta da universalização até 2033), como vinham caindo nos últimos anos. No ritmo atual, o País demoraria 40 anos para atingir a universalização dos serviços de água e esgoto. Finalmente, há as disparidades regionais: os Estados com a estrutura mais precária (no Norte e Nordeste) são justamente os que investem menos.

Além do imperativo humanitário, a modernização do arcabouço legal era essencial para promover a retomada econômica e o desenvolvimento sustentável. Especialistas estimam que cada R$ 1 investido em saneamento gere um retorno de R$ 2,8, seja por meio da geração de empregos, produtividade do trabalho, valorização imobiliária, crescimento do turismo ou menos gastos com saúde.

Realizando com algum atraso modernizações que já haviam se mostrado eficazes em setores como telecomunicações, energia e malha rodoviária, o Marco racionaliza a regulação do saneamento básico, incentiva a prestação regionalizada e estabelece a livre concorrência no mercado.

Mas o texto inicial da lei previa uma brecha a esse padrão: a possibilidade de renovação dos contratos das estatais sem licitação. O veto presidencial a esse dispositivo gerou celeuma, porque essa teria sido uma condição imposta por certas bancadas parlamentares – pressionadas pelos governadores ciosos de manter controle sobre as companhias estaduais – para aprovarem a lei. Seja lá quais tenham sido as negociações, o fato é que o veto e sua manutenção se deram em favor dos interesses da população.

Estima-se que os investimentos devem crescer em média 4,1 vezes mais em relação aos aportes atuais. Segundo a Associação Brasileira de Indústrias de Base, já em 2023 espera-se um aporte de R$ 8,5 bilhões a mais em relação aos atuais R$ 14,4 bilhões.

Mas, para levar a bom termo o Novo Marco, ainda há um intenso trabalho regulatório. Nos próximos dois anos a Agência Nacional de Águas deverá estabelecer as regras de referência para o setor, padronizando as diretrizes das atuais 52 agências reguladoras do setor. Também urgente é o decreto federal que fixará os critérios de capacidade financeira para as empresas que pretendam continuar a prestar serviços. A edição do decreto vinha sendo adiada pelo governo em razão da indefinição do Congresso em relação aos vetos, mas, agora que eles foram mantidos, é essencial que seja publicado rapidamente para que os governos e as empresas possam organizar suas estratégias. O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) promete publicálo na próxima semana.

Pode-se estimar o quão importante era a manutenção dos vetos em função do cálculo do MDR de que pelo menos dez companhias estaduais de saneamento não devem alcançar os índices necessários para atingir as metas de universalização. Das duas uma: ou essas empresas buscam novas fontes de financiamento e melhorias na gestão para se adequarem às novas regras até março de 2022 ou os governadores encaminham processos de privatização ou concessão dos serviços. De um modo ou de outro, as populações desservidas por décadas de inércia e ineficiência dos serviços estatais só têm a ganhar com a alavancagem imposta pelo Novo Marco.