O Estado de São Paulo, n. 46540, 20/03/2021. Política. p.A10

Defensoria Pública reage ao uso da Lei de Segurança

 

 


Órgão entra com habeas corpus coletivo no STF para evitar prisão de qualquer pessoa com base na legislação

Pepita Ortega

Rayssa Motta

A Defensoria Pública da União (DPU) entrou com habeas corpus coletivo no Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, em favor de todos os investigados ou ameaçados de investigação por crime de segurança nacional após críticas ao presidente Jair Bolsonaro e integrantes de seu governo. O órgão aponta um "quadro de crescimento vertiginoso" da prática "inconstitucional e ilegal" de forçar o enquadramento de manifestações políticas na Lei de Segurança Nacional (LSN).

A Defensoria ressaltou que a conduta tem "notório viés persecutório de intimidação de opositores ao governo". "Está claro que a ideia não é apenas perseguir opositores, mas também instilar o medo naqueles que potencialmente poderiam de algo discordar."

Como mostrou o Estadão,o número de procedimentos abertos pela Polícia Federal para apurar supostos delitos contra a segurança nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, na comparação com o mesmo período das gestões Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

No habeas corpus, os defensores também pedem que sejam trancados inquéritos e procedimentos investigatórios sobre manifestações de opinião política. Além disso, querem que a polícia seja orientada a não restringir a liberdade de manifestação e a não qualificar como crime de segurança nacional a suposta prática de crime contra a honra do presidente da República.

O caso deve ser distribuído, por prevenção, ao ministro Gilmar Mendes, relator, no STF, de duas ações que contestam a Lei de Segurança Nacional. O Estadão apurou que o ministro considera que as manifestações críticas ao governo Bolsonaro estão protegidas pela liberdade de expressão.

A ação foi apresentada após cinco manifestantes serem detidos pela Polícia Militar do Distrito Federal por estenderem uma faixa com a frase "Bolsonaro Genocida" em frente ao Palácio do Planalto. Eles foram levados à sede da Superintendência da PF em Brasília por, segundo nota da corporação, "infringir a Lei de Segurança Nacional".

As detenções ocorreram no mesmo dia em que o youtuber Felipe Neto iria depor na Polícia Civil do Rio, após chamar de "genocida" a atuação do governo Bolsonaro na pandemia. A investigação foi suspensa pela juíza Gisele de Faria, da 38.ª Vara Criminal do Rio, que viu "flagrante ilegalidade".

Declarações que associam o governo federal a um "genocídio" em razão da condução da pandemia da covid-19 também já motivaram pedidos de investigação contra o próprio Gilmar Mendes, o jornalista Ricardo Noblat e o ilustrador Renato Aroeira – autor da charge usada pelos manifestantes presos anteontem.

Daniel Silveira. No habeas corpus, a Defensoria citou o caso do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), preso e denunciado após divulgar vídeo com discurso de ódio contra ministros do STF e apologia do Ato Institucional n.º 5 (AI-5). Para o órgão, há diferença entre o caso do parlamentar e o dos críticos do governo. Os defensores entendem que, quando o Supremo decidiu manter a prisão do deputado (hoje em domiciliar), considerou que toda sua conduta estava "voltada a atacar a institucionalidade do STF por meio da violação da honra dos ministros que o compõem".