Correio Braziliense, n. 21346, 25/08/2021. Política, p. 2

Ação entre amigos
Augusto Fernandes
25/08/2021



Senado aprova a recondução de Augusto Aras ao cargo de procurador-geral da República. A vitória já era dada como certa, devido à postura contrária dele à atuação das antigas forças-tarefas do MP, em especial a Lava-Jato, que teve parlamentares entre os principais alvos

O procurador-geral da República, Augusto Aras, continuará no cargo por mais dois anos. Ontem, o plenário do Senado aprovou a recondução dele por ampla margem, com 55 votos favoráveis e apenas 10 contra, além de uma abstenção. Antes mesmo da votação, a vitória já era dada como certa, até porque o Senado nunca rejeitou uma indicação para a Procuradoria-Geral da República (PGR), mas ele conseguiu uma boa aceitação entre os parlamentares, sobretudo pela postura contrária à atuação das antigas forças-tarefas do Ministério Público Federal, em especial a Lava-Jato, que teve congressistas entre os principais alvos.

A crítica à operação que apurou, entre outros, crimes de corrupção, foi uma das tônicas da sabatina de Aras à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, na qual foi aprovado por 21 votos a seis. O PGR não poupou reclamações a esse método de investigação e acusação, que, segundo enfatizou, “apresentava uma série de deficiências” e “culminou em uma série de irregularidades que vieram a público”.

“(As forças-tarefas) geraram disfuncionalidades a partir da pessoalização, o que gerou distorções, uma certa criminalização da política para manter permanentemente os alvos em estado de atenção”, reprovou Aras. Ele também criticou o ex-PGR Rodrigo Janot, um dos principais investigadores da Lava-Jato, que, em julho 2017, perto do fim do seu mandato, prometeu apresentar novas denúncias na apuração. “Enquanto houver bambu, lá vai flecha”, disse Janot, na ocasião.

“Talvez, se nós tivéssemos, a cada duas grandes operações por mês, divulgado, feito o vazamento seletivo das operações dos investigados, talvez, eu estivesse numa posição de muito elogio, como quem distribuiu flechadas para todo o Brasil, criminalizando a política”, ironizou. “Mas assim não o fiz, porque me comprometi de cumprir a minha função constitucional com parcimônia, sem escândalo, sem estrépito.”

Apesar das críticas de integrantes da PGR de que Aras tem sido leniente diante de processos que dizem respeito ao presidente Jair Bolsonaro, ele se eximiu de culpa. Durante a sabatina, elencou ações que assinou em desfavor do chefe do Executivo, mas ressaltou que a falta de participação ou da apresentação de respostas “não se deram em razão de omissão, mas, sim, em respeito à vedação dirigida a magistrados e membros do Ministério Público, impositiva, de que manifestar opiniões sobre questões objeto da atuação finalística, ou mesmo o sigilo das investigações, simplesmente impede a revelação de fatos e atos”.

Aras ainda ponderou que “o PGR não é sensor de qualquer autoridade, mas o fiscal das condutas que exorbitem a legalidade”. “O Ministério Público não é de governo nem é de oposição. O Ministério Público é constitucional, e essa importância constitucional faz com que não se meça a posição, a eficiência e o trabalho do procurador-geral da República por alinhamento ou desalinhamento com posições ideológicas ou políticas de quem quer que seja”, destacou. “A eficiência na atuação do PGR não deve ser mensurada por proselitismos ideológicos, operações policiais espetaculosas ou embates na arena política.”

O PGR lamentou que o país esteja vivenciando “uma extrema polarização de toda a sociedade brasileira”. “A polarização é o pior veneno para a democracia, porque, nela, um procurador como eu, que tem compromisso com esta Casa, de cumprir a Constituição, não agrada nem ao governo nem agrada à oposição. A ele é imputada a omissão, quando ele só age com cautela e cuidado para não passar do limite”, defendeu-se.

Aras classificou o inquérito das fake news — em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar a produção de notícias falsas — como um exemplo dessa polarização. O procurador condenou a atitude de investigados, como o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, e o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que foram presos. “No momento posterior da prisão, tanto do Daniel Silveira quanto do Roberto Jefferson, houve ameaças reais aos ministros do Supremo. A liberdade de expressão não estaria contemplada propriamente na fake news, mas a ameaça direta e frontal já não poderia ser ignorada”, argumentou.

Notícias-crimes

Nas últimas semanas, o PGR foi alvo de notícias-crimes no Supremo Tribunal Federal (STF) e de uma representação no Conselho Superior do Ministério Público Federal (MPF) que lhe atribuíram crime de prevaricação (quando um servidor público não toma determinada ação que lhe compete em benefício de terceiros) para favorecer o presidente. Uma delas, de autoria dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Fabiano Contarato (Rede-ES), acabou arquivada, na segunda-feira, pelo ministro Alexandre de Moraes.

Cobranças em série

A PGR tem sido cobrada pelos posicionamentos em relação ao presidente Jair Bolsonaro e seus aliados desde o início do ano. O inquérito aberto para investigar suposta omissão do Ministério da Saúde diante da crise em Manaus, no início do ano — quando pacientes morreram asfixiados por falta de oxigênio no tratamento da covid-19 —, só foi solicitado pelo órgão após cobrança de integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

De lá pra cá, as cobranças foram se repetindo em diferentes casos, como o da ofensiva do presidente contra as urnas eletrônicas e as ameaças às eleições 2022. Em uma das mais recentes, com relação aos ataques de Bolsonaro a ministros da cúpula do Judiciário, 29 subprocuradores da República afirmaram que Augusto Aras não pode “assistir passivamente aos estarrecedores ataques” do chefe do Executivo aos tribunais superiores.