Valor Econômico, n. 5243, 06/05/2021. Política, p. A6

 

Em fala técnica, Teich diz que Bolsonaro não lhe deu autonomia

Vandson Lima

Renan Truffi

Murillo Camarotto

06/05/2021

 

 

Respostas de ex-ministro deixaram clara interferência favorável à cloroquina de Bolsonaro

O ex-ministro da Saúde Nelson Teich fez o que dele era esperado em seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia: uma fala técnica e discreta, sem declarações bombásticas, mas que deixaram clara a interferência indevida do presidente Jair Bolsonaro em favor da produção e distribuição em larga escala de cloroquina, medicamento sem efeito comprovado no tratamento da covid-19.

Tendo ficado apenas 29 dias no cargo, Teich pediu demissão, disse, ao perceber que não tinha autonomia à frente da pasta. A decisão de expandir a fabricação da cloroquina pelo Exército, por exemplo, não passou por ele. “Não participei disso. Minha convicção era que não havia evidência na eficácia da cloroquina. Eu tinha uma posição muito clara”, afirmou. “Cloroquina é um medicamento que tem efeitos colaterais; tínhamos preocupação com o uso indevido”, completou.

Relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) disse que o depoimento “despolitizado” de Teich ajuda a desenhar uma das principais teses contra o governo: a existência de um “assessoramento paralelo”, que aconselhava Bolsonaro em iniciativas contra o distanciamento social e uso de máscaras, por exemplo. “Estes primeiros depoimentos deixam clara a existência de um ministério paralelo da Saúde. Um poder paraestatal, das sombras, que não apenas aconselha, assessora, mas produz documentos, como a burla na bula, e encaminha soluções, como produzir mais cloroquina”.

A postura discreta de Teich chegou a irritar, em certos momentos, tanto oposicionistas quanto governistas: os primeiros, por considerarem o ex-ministro vago nas respostas. Os segundos, porque Teich se negou a dar qualquer respaldo ao chamado tratamento precoce, que aliados de Bolsonaro têm defendido na CPI. Perguntado pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO) sobre sua visão sobre o “kit covid”, Teich respondeu: “Não tem indicação para covid. São medicamentos que não funcionam.”

Antes, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) tentou emplacar a tese de que a comunidade médica está “muito dividida” sobre o uso de medicamentos sem comprovação e seria preciso respeitar a “autonomia” de cada profissional de saúde. Teich não embarcou. “Se você for usar tudo o que acha que vai funcionar para todo mundo, você vai causar um mal enorme. Existe uma qualidade metodológica e técnica que tem de ser seguida.”

Hoje, será a vez do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, falar à CPI. Para a próxima semana, os membros aprovaram as convocações de Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência da República, e de Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores.

Wajngarten irá depor na terça-feira e Araújo, na quinta. Quem também deve ter de prestar esclarecimentos à CPI é o ministro da Economia, Paulo Guedes. Renan afirmou que “declarações estapafúrdias” recentes soam como uma “autoconvocação”, mencionando falas de Guedes, em reunião do governo, de que os chineses inventaram o vírus e que a vacina desenvolvida no país é “menos efetiva” que a produzida nos EUA.