Correio Braziliense, n. 21336, 15/08/2021. Política, p. 4

O beligerante Braga Netto
Augusto Fernandes
Sarah Teófilo
15/08/2021



Considerado fiel escudeiro do presidente Jair Bolsonaro, ministro da Defesa tem avalizado o radicalismo do chefe do Planalto e politizado as Forças Armadas, numa distorção das atribuições das três instituições de Estado

Quando o general Fernando Azevedo e os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica caíram, em março deste ano, uma crise foi instalada, e ficou evidente que o presidente Jair Bolsonaro não aceitaria falta de alinhamento em lugar nenhum da sua gestão, nem mesmo da caserna. Antes de sair, já num patente clima de insatisfação com a forma como o mandatário lidava com as Forças Armadas, Azevedo e o então comandante do Exército, Edson Pujol, enfatizaram que as FAs são instituições de Estado, não de governo. Uma frase conhecida, mas comentada com alguma frequência pelos dois, em meio aos sinais de autoritarismo do chefe do Executivo.

Azevedo saiu, e sua cadeira foi ocupada pelo atual ministro Braga Netto, que estava na chefia da Casa Civil desde fevereiro do ano passado. E, a partir de então, ações mais políticas são tomadas no meio militar. Internamente, a visão é de que essa postura representa a principal diferença entre o general e o antecessor dele, além do claro alinhamento com o Palácio do Planalto — algo que não é, necessariamente, visto como negativo em toda a caserna.

De acordo com um militar da alta cúpula do Exército, Braga Netto levou um perfil mais político do que técnico ao cargo de ministro da Defesa. Segundo ele — que pediu anonimato —, Azevedo dizia que militar não se manifesta politicamente e que era preciso haver um distanciamento. Em mais de uma ocasião, o então ministro afirmou, publicamente, que política não pode entrar nos quartéis. Com Braga Netto, é diferente. "Ele trouxe uma linha política para o Exército. Já iniciou colocando as visões do governo para a tropa, influenciando os comandantes", disse o militar ao Correio. Ele admitiu que o cargo de ministro é, tradicionalmente, político, mas que, se ocupado por um integrante das Forças, este não pode deixar de fora o que pregam as três instituições.

Nos últimos tempos, tanto Braga Netto quanto comandantes militares se envolveram em episódios vistos como alinhamento às posições de Bolsonaro no embate com outros Poderes. O primeiro foi em relação à CPI da Covid, que investiga, entre outros fatos, o envolvimento de militares nas negociações suspeitas de vacina contra o novo coronavírus. Quando o presidente do colegiado, senador Omar Aziz (PSD-AM), mencionou que os bons militares deveriam estar envergonhados com o "lado podre das Forças", o ministro da Defesa e os três comandantes divulgaram uma nota de repúdio duríssima.

Depois, em entrevista ao O Globo, o comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, afirmou que não seriam emitidas 50 notas de repúdio sobre o assunto, que seria apenas aquela. "Homem armado não ameaça", arrematou. O comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, apoiou a postura de Baptista Junior, ao publicar a entrevista em seu perfil no Twitter.

Num outro episódio, revelado pelo Estadão, Braga Netto teria enviado um recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ameaçando a realização das eleições de 2022 se o Congresso não aprovasse a proposta de emenda à Constituição (PEC) do voto impresso.

Para completar, na semana passada, houve a passagem de blindados militares pela Praça dos Três Poderes no dia em que o Parlamento votaria a PEC, o que foi lido como uma tentativa de intimidação dos parlamentares para aprovar a proposta.

No Planalto, Braga Netto é considerado como um dos principais escudeiros do presidente, só perdendo para o filho 02 do chefe do Executivo, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Essa visão é de pessoas que ocupam cargos ministeriais, inclusive, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos. Para ele, o general é o mais entusiasta do projeto de Bolsonaro no poder.

Apoio
Apesar dos rumores de que a postura de Braga Netto é criticada por militares da alta cúpula, há quem sustente que ele tem, sim, o apoio dos fardados, porque estaria ajudando o governo e o país.

O ministro é apontado como uma figura discreta, introvertida, observadora, que não gosta, claramente, de entrevistas, e que é lembrado pela atuação como interventor federal na área da Segurança Pública no Rio de Janeiro, no governo Michel Temer — ação vista como muito rígida. Ele também ocupou o cargo de chefe do Estado-Maior do Exército, já no governo Bolsonaro, o segundo mais importante da Força.

Na opinião de militares em Brasília, o alinhamento de Braga Netto com o presidente não significa subserviência. A ideia de que ele embarcaria em uma aventura golpista também é afastada, sob a alegação de que o cenário, hoje, não comporta uma ação desse tipo. Portanto, os militares não cometeriam o erro de achar que conseguem manter um golpe.

"Entregue"
Professor titular sênior da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), João Roberto Martins Filho, estudioso da história militar, diz que o general "parece muito mais disposto a acompanhar o presidente" e que isso pode provocar desgastes para o ministro. Ele pontua que as posturas dos comandantes da Aeronáutica e da Marinha foram uma surpresa, por serem muito diferentes das adotadas por seus antecessores, mais discretos.

Rodrigo Patto Sá Motta, professor de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e também estudioso dos militares, pontua que Braga Netto "é o mais fiel ao Bolsonaro". "Ele está entregue", frisa. De acordo com o especialista, o ministro está colocando as Forças em risco, por levá-las "a um lado arriscado, de apoiar um governo cada vez mais impopular, que não governa direito, malvisto internacionalmente. "O Brasil voltou a ser chamado de República das bananas", destaca, numa referência à manchete do jornal britânico The Guardian ao noticiar o desfile de blindados na Praça dos Três Poderes.

Na avaliação de Sá Motta, entretanto, não é Bolsonaro o grande responsável pela politização. Os quartéis já estavam politizados — enfatiza ele —, e Braga Netto, com a postura que adotou no Ministério da Defesa, torna-se o resultado de tudo isso, não a origem.

Analista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa, André César afirma que Braga Netto é visto como um radical na defesa do bolsonarismo e que "não tem convicção democrática".

Rejeição
Apesar das pressões, a PEC do voto impresso não passou na Câmara. A proposta, analisada pelo plenário na terça-feira, precisava de 308 votos, mas obteve 229. O texto já tinha sido rejeitado na comissão especial da Casa. Foram 23 votos contrários e 11 favoráveis.