Correio Brazilense, n. 20679, 04/01/2020. Poder. p. 4

 

 

 

 

 

 

Nervosismo abala os mercados

 

 

PODER »Tensão provocada por crise no Oriente Médio faz dólar subir 0,73%. B3 tem dia de forte volatilidade e fecha em baixa

Rafaela Gonçalves*

 

O nervosismo tomou conta dos mercados globais, ontem, após o ataque aéreo norte-americano que causou a morte do comendante da Guarda Revolucionária Iraniana, general Qasem Soleimani, considerado um dos homens mais poderosos do país persa. No Brasil, houve uma corrida de investidores para o dólar, que registrou alta de 0,72%, fechando a R$ 4,06 para venda. O receio é o de que uma eventual nova guerra no Oriente Médio, região que concentra a maior produção de petróleo do mundo, leve a economia global à recessão, afetando sobretudo os países emergentes, como o Brasil.

A Bolsa de Valores de São Paulo (B3), após ter batido recorde de alta na véspera, teve um dia de forte volatilidade. O Ibovespa, principal indicador dos negócios, iniciou o pregão em queda acentuada, acompanhando as principais bolsas internacionais, mas, ao longo do dia, diminuiu as perdas, terminando a sessão com recuo de 0,73%, aos 117.707 pontos. Nos Estados Unidos, os índices Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq recuaram entre 0,81% e 0,79% respectivamente. As bolsas europeias passaram praticamente todo o dia no vermelho, mas fecharam em direções contrárias, com a maioria em queda. Londres fechou em alta de 0,24%m enquanto Paris recuou 1,25%.

Para o diretor-executivo da NGO Corretora, Sidnei Nehme, a alta do dólar deve ser pontual. “Do meu ponto de vista, é uma alta extremamente momentânea no Brasil, e a moeda deve voltar a um preço mais baixo. Estamos quase sem nenhuma participação de capital estrangeiro no país, o fluxo cambial é negativo e estamos nos sustentando pela própria economia nacional. Não vejo razão para grandes temores, e acho importante que o governo brasileiro não se manifeste e se mantenha neutro. O único problema é preço do petróleo, que pode aumentar a gasolina, mas precisamos de um tempo para ver o impacto”, avaliou.

Após o ataque dos EUA, de fato, o petróleo disparou. O barril do produto tipo Brent, usado como referência pela Petrobras, fechou ontem em alta de 3,6%, cotado a US$ 68,60, o maior valor desde meados de setembro, quando instalações petrolíferas da Arábia Saudita foram bombardeadas. Já o barril do WTI avançou, 2,99%, para US$ 63,00. Ainda assim, as ações ordinárias da Petrobras terminaram com queda de 2,47% e as preferenciais, com recuo de 0,81%. Segundo Nehme, a queda foi motivada pelas dúvidas sobre a viabilidade política de a empresa repassar a alta aos preços dos combustíveis.

O diretor de investimentos da Infinity Asset, André Pimentel, destacou que, no decorrer do dia, as notícias atenuaram a queda da Bolsa. “Abrimos com forte queda, mas, depois, o mercado foi se acalmando. Tivemos alguns discursos de representantes do governo americano informando que vão fazer de tudo para acalmar a situação. Esse conflito pode tomar proporções muito maiores, mas ninguém ganharia com isso”, afirmou.

No fim da tarde, foi divulgada a ata da última reunião do Federal Reserve (banco central norte-americano), que acabou ofuscando parte do pessimismo diante das tensões internacionais. O documento afastou a possibilidade de uma elevação das taxas de juros, medida que prejudicaria o mercado de ações.

*Estagiária sob supervisão de Odail Figueiredo

 

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Ataque reduz chance de novo corte de juros

 

Rosana Hessel

 

O ataque dos Estados Unidos em Bagdá que matou o general iraniano Qasem Soleimani pode ter sepultado as chances de mais um corte na taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central neste ano. A alta do dólar e a disparada dos preços do petróleo podem aumentar as pressões inflacionárias no mercado doméstico, tornando inviável a continuidade da política de redução dos juros.

O economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, considera que uma das implicações de médio e curto prazos dessa nova turbulência internacional, além do aumento do preço do barril de petróleo, é a fuga do capital estrangeiro para mercados com liquidez, ou seja, uma debandada dos países emergentes, como o Brasil. “Isso, como consequência, implica em dólar mais alto e acarreta pressões inflacionárias difusas que enterram de vez a possibilidade do Copom (Comitê de Política Monetária) cortar mais uma vez a Selic. Além disso, há certa preocupação em como o governo brasileiro vai reagir”, alertou.

O ex-diretor do BC e chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, demonstra a mesma preocupação. “Acredito que há espaço para a Selic cair, mas parece que agora ele está limitado”, afirmou,

Algumas projeções do mercado apostavam em pelo menos um corte na Selic neste ano e, os mais otimistas, ainda achavam que ela poderia cair para 4% neste ano. Atualmente, a taxa básica de juros está em 4,5% ao ano, o menor patamar da história.

Para a economista-chefe da Rosenberg Associados Thais Zara, ainda é cedo para apostar em uma paralisação dos cortes na Selic. “Vamos ver o que acontece. O câmbio está em um patamar em pouco elevado, mas, no ano passado, os ataques de drones na maior refinaria de petróleo na Arábia Saudita (em setembro) tiveram um impacto momentâneo nos preços, que, depois, arrefeceu”, destacou. Pelas estimativas da analista, o Copom ainda deve reduzir a Selic em 0,25 ponto percentual, na primeira reunião do ano, para 4,25%.

 

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Comércio limitado

 

 

A nova crise no Oriente Médio pode afetar indiretamente as exportações brasileiras para o Irã, pois muito do que o país exporta para lá, segue por meio de outras nações do Golfo Pérsico ou da Ásia. “O Irã chegou a ser o maior importador de carne bovina do Brasil mas, por conta das sanções dos Estados Unidos, os produtos brasileiros não seguem diretamente para lá e acabam indo via algum país que não obedece às sanções norte-americanas”, destacou o especialista em relações internacionais Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil entre 2007 e 2011 e sócio da BMJ Consultores Associados.

Se houver um endurecimento dos EUA em relação ao Irã, ampliando as sanções, o Brasil pode ser afetado, mas é difícil quantificar o impacto, de acordo com Barral. “Estamos falando de um mercado importante, de quase 80 milhões de pessoas que consomem produtos halal”, explicou.

Barral lembrou que o Brasil é o maior exportador global de carnes halal, que têm uma técnica de abate específica, monitorada, para ser consumida por muçulmanos. Contudo, os dados oficiais não mostram o verdadeiro volume comprado pelos iranianos. Conforme dados do Ministério da Economia, o Irã é o 23º destino das exportações nacionais, comprando uma pequena parcela dos US$ 224 bilhões comercializados pelo Brasil com o resto do mundo em 2019.

A balança comercial entre Brasil e Irã é favorável ao lado brasileiro, com um saldo de US$ 2,2 bilhões entre janeiro e novembro do ano passado. Os embarques para o país persa registraram queda de 11,7%, para US$ US$ 2,25 bilhões no acumulado do ano. Entre os principais produtos, estão milho e soja, que responderam por 44% e 26% do valor comercializado, respectivamente. As importações brasileiras do Irã somaram apenas US$ 39,9 milhões, predominantemente, de ureia, matéria-prima de fertilizantes. (RH)