Correio Braziliense, n. 20614, 31/10/2019. Mundo, p. 14

Regras para o jogo
31/10/2019



Sob os protestos (impotentes) da minoria republicana (govenista), a maioria da oposição democrata na Câmara dos Deputados deve votar e aprovar hoje uma resolução que define as normas e procedimentos para o inquérito que poderá resultar no impeachment do presidente Donald Trump. Considerada uma mera formalidade pela presidente da casa, Nancy Pelosi, a moção determina uma mudança principal: as audiências, até aqui a portas fechadas, passam a ser públicas. Os advogados do presidente poderão participar dos trabalhos apenas na segunda fase, quando as investigações passam a ser de responsabilidade do Comitê Judiciário. Trump é acusado de ter usado o cargo para pressionar o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelinsky, para que investigasse o ex-vice-presidente Joe Biden, possível candidato democrata a enfrentar o presidente na eleição de 2020. 

A Casa Branca não demorou a responder ao anúncio feito por Pelosi na noite de terça-feira, antecipando o teor da proposta. “Finalmente, ela admite o que o resto dos Estados Unidos já sabia: que os democratas conduzem uma investigação não autorizada”, afirmou a porta-voz Stephanie Grisham. Ela se referia à queixa dos republicanos sobre a falta de uma votação em plenário para dar início ao inquérito, um passo tomado pela presidente da Câmara. Grisham classificou como “totalmente ilegítimas” as audiências “secretas e a portas fechadas”, nas quais “não é permitido que o presidente se defenda”. 

O líder da minoria governista na Câmara, Kevin McCarthy, classificou o projeto apresentado por Pelosi como “vergonhoso” e inútil para reparar o que considera uma violação dos direitos de Trump como acusado. “Não se pode colocar o gênio de volta dentro da garrafa”, protestou. “O direito ao devido processo tem de ser observado desde o início.” Na mesma linha se pronunciou o líder governista no Senado, onde os republicanos têm maioria. “Essa resolução não garante ao presidente os direitos mais básicos nem alteram de maneira alguma os procedimentos injustos adotados pelo Comitê de Inteligência”, declarou o senador Mitch McConnell. 

“Levaremos ao plenário uma resolução que ratifica a investigação iniciada por nossos comitês, como parte de um inquérito com vistas ao julgamento político (do presidente)”, sustenta a presidente da Câmara em carta endereçada aos deputados democratas. O texto “estabelece o procedimento para as audiências, que estão abertas ao povo americano, autoriza a divulgação das transcrições das declarações e define os procedimentos para a transferência de provas ao Comitê Judiciário, enquanto este estuda possíveis artigos (de acusação)”, detalha Pelosi, que rejeitou as “acusações infundadas” da Casa Branca e dos líderes governistas no Congresso.

Tramitação 

O caminho traçado pela presidente da Câmara, a política democrata mais poderosa em Washington, mantém o Comitê de Inteligência, presidido pelo democrata Adam Schift, como o centro de gravidade do inquérito em andamento, no qual estão envolvidos mais cinco painéis temáticos, entre eles o Judiciário e o de Relações Exteriores. Assim como os colegas da maioria oposicionista, os governistas também terão direito a convocar testemunhas e requisitar documentos, mas enfrentam o risco de ver seus pedidos recusados, já que são minoritários em todos eles. 

Uma vez aprovada a resolução, as audiências do processo passam a ser públicas. Além disso, os comitês terão a prerrogativa de publicar as declarações tomadas reservadamente. Concluída essa fase das investigações, os diferentes comitês deverão reunir as provas recolhidas e remetê-las ao Comitê Judiciário, que tem a atribuição de examiná-las para eventualmente formular acusações referentes a crimes puníveis com o impeachment. Nessa fase, os advogados do presidente poderão participar dos procedimentos e de eventuais audiências. Caso conclua pela necessidade de pedir o impeachment, o comitê apresentará as acusações ao plenário, que deve aprová-las por maioria simples. 

Nesse caso, o pedido é remetido ao Senado, que instaura o julgamento político. Para afastar o presidente são necessários os votos de dois terços dos senadores presentes à sessão decisiva — um desfecho improvável, considerando que os republicanos detêm a maioria na casa.

Frases 

"Não se pode colocar o gênio de volta dentro da garrafa. O direito ao devido processo tem de ser observado desde o início” 

Kevin McCarthy, líder da minoria governista na Câmara 

“Levaremos ao plenário uma resolução que ratifica a investigação iniciada por nossos comitês, como parte de um inquérito com vistas ao julgamento político (do presidente)” 

Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados 

“Finalmente, ela admite o que o resto dos Estados Unidos já sabia: que os democratas conduzem uma investigação não autorizada” 

Stephanie Grisham, porta-voz da Casa Branca

Herança política em risco

Os bombeiros que combatem desde o fim de semana os incêndios florestais na Califórnia tinham ontem entre os focos de preocupação a Biblioteca Presidencial Ronald Reagan, que reúne o acervo de documentos relacionados a um dos presidentes mais populares das últimas décadas. O edifício fica no Simy Valley, a cerca de 60km de Los Angeles, onde as fortes rajadas de vento dificultavam o trabalho dos bombeiros. Desde segunda-feira, toda a Califórnia está sob estado de emergência. Dezenas de milhares de moradores tiveram de deixar suas casas e vastas áreas sofreram corte de energia elétrica, determinado para evitar que cabos de alta tensão pudessem contribuir para alastrar as chamas.