Valor Econômico, n. 5239, 30/04/2021. Política, p. A10

 

Senado aprova quebra temporária de patentes de vacinas para a covid-19

Vandson Lima 

Renan Truff

30/04/2021

 

 

Autorização vale enquanto vigorar o estado de emergência de saúde

O Senado aprovou ontem projeto que permite a quebra temporária de patentes de vacinas, testes e medicamentos de eficácia comprovada contra a covid-19. A autorização vale enquanto vigorar o estado de emergência de saúde. A proposta segue para a Câmara dos Deputados.

Apesar das alterações feitas pelo relator, senador Nelsinho Trad (PSD-MS), o governo posicionou-se contra a proposta, que provocou grande discussão entre os parlamentares. O projeto cria duas etapas no processo de licenças compulsórias. Na primeira, declarada a situação de emergência, o Poder Executivo deverá publicar, em até 30 dias, uma lista de patentes relacionadas a produtos e processos essenciais para o combate à pandemia. Na prática, seria uma lista de patentes que poderiam vir a ser licenciadas de maneira compulsória.

Com isso, cria-se um rito para que o governo brasileiro negocie com a indústria condições para a produção nacional. Órgãos públicos, instituições de ensino e pesquisa e entidades da sociedade civil deverão ser consultadas no processo de elaboração da lista. Patentes poderão ser excluídas da lista caso o Executivo considere que seus donos assumiram compromissos objetivos de atender às necessidades de emergência nacional. Se as empresas não repassarem sua tecnologia, o texto prevê a licença compulsória de maneira tácita. Os titulares de patentes sejam ressarcidos no caso da licença compulsória.

Na segunda etapa, seriam efetivamente concedidas licenças apenas de patentes para as quais surgissem propostas em condições objetivas de mercado, capacitação tecnológica e investimentos para sua produção no Brasil. A preocupação é que a lista traga medicamentos e vacinas que possam ser produzidos imediatamente, ou seja, aqueles que o Brasil tem tecnologia suficiente para dominar sua fabricação.

Isso porque laboratórios estatais e farmacêuticas têm argumentado que quebra de patente não basta para produzi-lo, mas, sim, dominar cientificamente o ciclo de produção. O texto prevê licença compulsória do remdesivir, o único medicamento que prevê na bula a possibilidade de tratamento de casos graves de covid-19. Nos EUA, o tratamento sai por US$ 520 (R$ 2.860) a ampola, ou cerca de US$ 3.120 (R$ 17,1 mil) o tratamento.

Os titulares das patentes colocarão à disposição do poder público todas as informações necessárias à efetiva reprodução dos objetos protegidos, devendo o governo brasileiro assegurar a proteção dessas informações, sob pena de decretação da nulidade da patente ou registro já concedidos.

Trad alterou o texto para, em vez de suspender acordos firmados pelo Brasil no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), fazer ajustes na Lei da Propriedade Industrial (LPI). “Não é possível suspender partes de um tratado internacional ratificado pelo Brasil por meio de legislação ordinária. Contudo, o Acordo Trips (Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, adotado pelo Conselho-Geral da OMC) contém as salvaguardas para que o Brasil promova as alterações legislativas necessárias”. A LPI prevê a possibilidade de ser concedida licença compulsória temporária para a exploração da patente nos casos de emergência nacional ou interesse público.

“Esse caminho parece fácil, mas não vai nos levar ao objetivo que queremos. Nós estamos falando em desrespeitar acordos internacionais buscando meandros da nossa legislação. Vão mais uma vez na história carimbar o Brasil como um país que não cumpre regras. Ao invés de acelerar a vacinação, nós podemos perder 200 milhões de doses nos próximos meses”, afirmou o vice-líder do governo, senador Carlos Viana (PSD-MG).

Trad fez uma fala inflamada contra as alegações do governo. “Não existe insegurança jurídica, não há quebra de patente. A licença é temporária e o dono será remunerado. A objeção do governo era ao projeto original, se prestassem atenção ao novo texto entenderiam. Não podemos ficar passivos enquanto 3 mil pessoas morrem por dia”.