Correio Brazilense, n. 20684, 09/01/2020. Política. p. 3

 

 

 

 

 

Veto à taxação é afago ao Nordeste

 

 

 

 

 

 

 

 

ENERGIA SOLAR / Decisão de Bolsonaro de proibir tarifação sobre produção e consumo tem objetivo de elevar capital político na região, maior polo produtor do país nesse quesito

» RODOLFO COSTA

» INGRID SOARES

 

O martelo batido pelo presidente Jair Bolsonaro de não taxar energia solar faz parte de um processo para elevar o capital político no Nordeste, principal polo do país nesse quesito. Entre os cinco maiores estados produtores, três são da região: Bahia, Piauí e Ceará. Com incentivos como esse, o governo acredita ter condições de tornar o presidente mais popular nessas localidades, de olho, obviamente, nas eleições de 2022. As metas, no entanto, são mais ousadas e amplas e envolvem até mesmo a discussão de ações para estimular a infraestrutura e as políticas públicas no semiárido nordestino.

O Executivo ainda trabalha para definir e estabelecer sua marca na região. Interlocutores dizem que o objetivo é deixar o carimbo do governo, mas sem medidas populistas, que possam vir a onerar os cofres públicos. A intenção é estimular o empreendedorismo, sobretudo para os microempresários e pequenos produtores, com foco no social. As diretrizes ainda estão sendo definidas, mas a ideia é que o semiárido ganhe uma atenção especial.

De acordo com interlocutores, nem mesmo a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu deixar sua marca no semiárido. A prova disso, avaliam, é que o legado petista deixou pela metade as obras da transposição do Rio São Francisco. Por isso, entre as metas prioritárias de 2020 está a celeridade do projeto de integração do São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional, medida em discussão no Programa de Parcerias e Investimentos (PPI).

No escopo de olhar para o semiárido está a determinação de não taxar a energia solar. É uma decisão que favorece o pequeno produtor e pode fazer parte de um pacote mais amplo, admite um assessor do Planalto. A tarifação zero gera bônus indiscutíveis ao governo, mas não é uma estratégia eleitoreira. "O presidente notou uma reação da sociedade contrária à possibilidade de tarifação sobre a energia produzida e tomou a dianteira do debate, a fim de dar satisfação ao Brasil", explicou uma pessoa próxima do presidente.

Daqui para a frente, a ideia é fazer, principalmente, as iniciativas no semiárido se cruzarem com os interesses dos prefeitos. No governo, há um movimento, ainda que incipiente, de articulação com o prefeito de Feira de Santana (BA), Colbert Martins (MDB), para estimular e ampliar as políticas públicas.

O prefeito se articula com os demais gestores municipais da região para criar a Associação de Prefeitos do Semiárido. A frente de prefeitos e o governo são sensíveis à agenda de incentivo ao desenvolvimento nas cidades, e essa sinergia pode, em breve, provocar o estreitamento dos laços. Martins mantém, por ora, um diálogo cordial e embrionário com membros e assessores do Executivo na Esplanada dos Ministérios.

 

Iniciativas

Os primeiros passos da agenda do Executivo de olho no Nordeste foram dados em 2019. A Secretaria de Governo lançou o Plano Nordeste, que prevê ações nas áreas de infraestrutura, educação, capacitação, cidadania e produção, com investimentos na ordem de R$ 4,4 bilhões até dezembro deste ano. A região dispõe, ainda, de políticas públicas e assistencialistas, que são vistas por assessores como iniciativas isoladas. A ideia, pontuam, é identificar e desenvolver essas ações, a fim de transformá-las em uma marca do governo.

Além de atender os nordestinos, as iniciativas buscam elevar o capital político de Bolsonaro para fora das capitais, onde ele teve menos votos.

"Frete" para venda
A pressão do governo contra a taxação da energia solar fez com que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) suspendesse, a princípio, estudos relacionados à revisão das regras para consumidores que produzem a própria energia. De acordo com Bolsonaro, porém, os interessados em vender o produto poderão pagar um "frete".

 

 

 

 

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Fora de davos e elogios a Trump

O presidente Jair Bolsonaro cancelou a ida ao Fórum Econômico Mundial de Davos. Segundo o porta-voz da República, Otávio Rêgo Barros, entre as razões para o cancelamento estão aspectos econômicos, políticos e de segurança. O encontro de chefes de Estado ocorrerá entre os dias 21 e 24 deste mês. O porta-voz disse que não há ligação exclusiva com a crise entre o Irã e os EUA.

Ainda segundo Rêgo Barros, outro membro do governo vai representar o país. O mais cotado é o ministro da Economia, Paulo Guedes. Bolsonaro admitiu, na segunda-feira, que existia a possibilidade de não participar do encontro anual na Suíça. De acordo com ele, "o mundo tem seus problemas de segurança". O chefe do Executivo se referiu indiretamente à crise entre o Irã e os EUA.

Ontem, Bolsonaro fez mais um gesto de apoio ao presidente norte-americano, Donald Trump. Ele participou de uma transmissão ao vivo nas redes sociais na qual aparecia assistindo ao discurso do mandatário dos EUA na televisão.

Ao fim do vídeo, Bolsonaro afirmou que "muitos acham que o Brasil deve se omitir aos acontecimentos" e fez diversas referências ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula criticou a atuação do governo na crise entre Irã e EUA. Em entrevista ao site Diário do Centro do Mundo, o petista defendeu que "o momento não é adequado para o Brasil se meter em uma briga externa" e chamou Bolsonaro de "lambe botas do Trump".

"Muitos acham que o Brasil deve se omitir no tocante aos acontecimentos... Só quero dizer uma coisa: o senhor Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto presidente da República, esteve no Irã e lá defendeu que aquele regime pudesse enriquecer urânio acima de 20%, que seria para fins pacíficos", criticou.

Bolsonaro também afirmou que "a nossa Constituição diz no artigo 4: 'A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios da defesa da paz e no repúdio ao terrorismo'", concluiu.

De acordo com o porta-voz, Bolsonaro "entendeu o discurso de Trump como sendo um pronunciamento sereno e, ao mesmo tempo, firme, evitando ampliar a crise".

Também ontem, a Petrobras anunciou que suspendeu o trânsito de navios no Estreito de Ormuz, no Oriente Médio. A estatal informou que a decisão não provocará impacto ao abastecimento de combustíveis no Brasil.