Correio Braziliense, n. 21257, 06/08/2021. Política, p. 3

Voto impresso é rejeitado
Jorge Vasconcellos
Augusto Fernandes
06/08/2021



Mesmo com as pressões e ameaças de Bolsonaro, comissão especial da Câmara barra PEC que pretendia mudar sistema eleitoral. Aliado do Planalto, presidente da Casa, Arthur Lira, diz que pode levar a proposta à votação no plenário

Por 23 votos a 11, a comissão especial da Câmara rejeitou, ontem, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19, que torna obrigatório o voto impresso. O resultado representa uma dura derrota para o presidente Jair Bolsonaro, que tem ameaçado a realização das eleições de 2022, caso o texto não seja aprovado pelo Congresso. A decisão dos deputados, no entanto, não significa que a intenção do Planalto tenha sido enterrada. Isso porque o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), aliado do governo, anunciou, horas antes da votação, que pode levar a matéria para apreciação em plenário.

O relator da PEC, Filipe Barros (PSL-PR), tinha apresentado, na quarta-feira, a nova versão do seu parecer. Além de prever a impressão do comprovante de votação e da volta da contagem manual do resultado das eleições, o texto enfraquece a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na investigação de irregularidades e permite a implementação imediata do voto impresso. A regra valeria mesmo que o Congresso aprovasse a proposta poucos dias antes do pleito. Hoje, a Constituição exige que as regras sobre as eleições sejam modificadas com uma antecedência de pelo menos um ano. Ou seja, a data-limite para que uma alteração ocorra para 2022 seria em outubro deste ano.

Na votação, os governistas usaram como principal argumento para defender o texto a divulgação, por Bolsonaro, na véspera, de um inquérito da Polícia Federal sobre um suposto ataque hacker ao software de votações do Tribunal Superior Eleitoral (leia reportagem ao lado). Já a oposição reafirmou que as urnas eletrônicas são seguras e que a PEC é apenas um pretexto do presidente para dar um golpe de Estado. “Ele sabe que vai perder as eleições e tem cometido crimes continuados” ao ameaçar a democracia, disse o deputado Ivan Valente (PSol-SP).

A derrota da PEC na comissão especial já vinha sendo dada como certa, o que levou os governistas a fazerem manobras para adiar a votação, como a que foi bem-sucedida às vésperas do início do recesso parlamentar.

Insistência

Horas antes da votação, Lira afirmou que a PEC pode ser avaliada pelo plenário em duas hipóteses: se a comissão especial ultrapassar as 40 sessões da Câmara sem conseguir aprovar a matéria, ou mesmo se ela for rejeitada, como ocorreu ontem. “As comissões especiais não são terminativas, são opinativas, então, sugerem o texto, mas qualquer recurso ao plenário pode ser feito”, ressaltou.

Autora da PEC, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) protestou contra o “dia lamentável para a democracia brasileira”, porém enfatizoua declaração do presidente da Câmara. “Perdemos a batalha, mas não a guerra. O presidente Arthur Lira pode levar a PEC ao plenário”, escreveu em rede social.

A proposta de adoção do voto impresso está no centro do que deve ser a maior crise entre os três Poderes desde o fim da ditadura militar (1964-1985). Bolsonaro vem intensificando os ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao TSE, que decidiram abrir inquéritos para investigar as ameaças dele às eleições.

Bancadas

Doze partidos orientaram suas bancadas a votar contra a PEC — PT, PL, PSD, MDB, PSDB, PSB, Solidariedade, PSol, PCdoB, PV, DEM e Rede. Apenas PSL, PP, Podemos, PTB e o Republicanos (partido da Igreja Universal) indicaram o voto favorável. Liberaram seus deputados a votar como quisessem: Cidadania e Novo. O DEM chegou a integrar esse último grupo, mas, formada a maioria contra o texto, mudou de posição.

Duas rodadas de votação

Para que a PEC seja aprovada no plenário, são necessários pelo menos 308 votos, entre os 513 deputados, em duas rodadas de votação. A avaliação de líderes, contudo, é de que o texto será igualmente rejeitado.