Correio Braziliense, n. 21257, 06/08/2021. Política, p. 4

Vacinas eram todas com Élcio
Bruna Lima
Luiz Calcagno
06/08/2021



Ex-assessor especial do Ministério da Saúde, Airton Cascavel atribuiu à Secretaria-Executiva da pasta a exclusividade das negociações para a compra de imunizantes contra a covid-19

Em depoimento à CPI da Covid, ontem, o ex-assessor especial do Ministério da Saúde Airton Antonio Soligo — conhecido como Airton Cascavel — atribuiu à Secretaria-Executiva do Ministério da Saúde, então sob a chefia pelo coronel Élcio Franco, a exclusividade das negociações para compra de vacinas contra a covid-19. Para os integrantes da comissão, cada vez mais cresce o protagonismo do militar em transações pouco ortodoxas em nome da pasta, tanto que, conforme disseram, é praticamente certo que seja indiciado ao final dos trabalhos do colegiado.

Cascavel afirmou que não tinha função de lidar com vacinas, mas que foi a São Paulo como interlocutor do ministro Eduardo Pazuello para fazer a aproximação com o Instituto Butantan, e que também atuou da mesma forma no caso da AstraZeneca para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Questionado sobre participação no diálogo para a compra da Covaxin, Cascavel disse: "No Ministério, esses tratos sempre foram lá na Secretaria-Executiva. Todo o diálogo era com o Élcio Franco", assegurou. O coronel já foi indicado como responsável pelas tratativas relacionadas ao imunizante indiano em outros depoimentos à CPI.

O ex-diretor de Logística do ministério Rodrigo Ferreira Dias também fez diversas referências de que os contratos de vacinas que estão na mira da CPI, por suspeita de cobrança de propina, eram comandados por Élcio.

Já a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI) Francieli Fantinato indicou ter sido Élcio quem decidiu não optar por adquirir mais doses de vacinas pelo Covax Facility, consórcio internacional coordenado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo ela, o ex-secretário-executivo disse que "não tem como colocar todos os ovos na mesma cesta".

Além de negar envolvimento em contratos de vacinas, Cascavel disse que se afastou porque "picaretas das vacinas" procuraram o ministério para tentar negociar junto ao governo federal. "Criei ojeriza ao ver isso. Estava no ministério e quantos picaretas apareciam. E eu resolvi não receber nenhum, porque, no momento em que você não tinha a fábrica da AstraZeneca, não tinha um milhão de vacinas para entregar para o Brasil, picaretas apareciam querendo vender 200 milhões", disse.

O papel de Cascavel dentro do ministério seria o de realizar uma articulação política em ações envolvendo o enfrentamento à pandemia. O convite a ele foi feito por Pazuello, que conheceu durante a Operação Acolhida — que recebeu refugiados venezuelanos fugidos da fome no país vizinho. Segundo informações colhidas pela CPI, ele agia nas reuniões tripartites entre o ministério e os conselhos nacionais de saúde dos estados e municípios, como um verdadeiro braço do ministro — apesar de passar algum tempo sem qualquer vínculo formal com o ministério.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) sustentou que a atuação de Cascavel na pasta foi irregular. Por conta disso, os senadores Randolfe e Eliziane Gama (Cidadania-MA) consideram que Cascavel praticou crime de usurpação da função pública.