Título: Descendentes preservam costumes
Autor: Mariana Filgueiras
Fonte: Jornal do Brasil, 27/03/2005, Rio, p. A16

Alguns hábitos do século XIX se mantêm na comunidade mais por necessidade do que por questão cultural. O hábito de salgar os alimentos para conservá-los, por exemplo, é mantido pelas mulheres da ilha porque não existe luz elétrica. Jardelina Firmo Mariano, 62 anos, mora com a filha, dois netos e um bisneto na parte da ilha conhecida como Pescaria Velha. É lá onde fica a maior parte dos habitantes, 149 pessoas. Ela conta que pendura os peixes num varal, depois que foram salgados, para secar. - Nem sei como usar uma geladeira - diz, envergonhada.

Jardelina mostra a criação de galinhas, que serve para subsistência e para trocar por outros alimentos com os vizinhos.

O escambo é prática bastante utilizada. Eles trocam entre si móveis, alimentos, o que for preciso. Só existe uma pequena mercearia em toda ilha, mas os moradores preferem economizar, trocando o que possuem.

Práticas desenvolvidas pelos escravos resistem ao século 21. As crianças aprendem na escola, hoje situada no que já foi uma casa-grande, a história dos seus ascendentes. Nas festas da comunidades, praticam capoeira e o prato principal é a feijoada. Mas a religião que está ganhando força na comunidade não é o candomblé, e sim evangélica, desde que uma Igreja Batista foi fundada na Praia do Sino.

A moradora mais antiga do local, Teodorina Fermiana, 86 anos, conta uma lembrança que tem da avó, uma escrava forra. Ela dizia à sua mãe para nunca bater nos filhos.

- Eu também nunca bati. Eles apanharam muito, não iam fazer isso com os seus filhos. E olha que tive dez. A única vantagem que tinha ser escrava naquela época era que, depois do quinto filho, não se precisava mais trabalhar - recorda.

Todos os filhos de Teodorina foram morar no continente, em Nova Iguaçu. Não suportaram a vida de carências no local, apesar do sossego e natureza farta. Ela, ao contrário, não sai da ilha.

- Nasci aqui, aqui é a minha terra - diz, sorrindo.