Correio Braziliense, n. 21253, 02/08/2021. Brasil, p. 6

Defesa quer orçamento turbinado
Rosana Hessel
02/08/2021



Plano estratégico do ministério, encaminhado ao Congresso, prevê aumento da despesa anual com as Forças Armadas para 2% do PIB. Vinculação implicaria acréscimo de R$ 51,8 bilhões, em valores atuais, e poderia retirar recursos de áreas como saúde e educação

Assim como a polêmica aprovação do Fundão Eleitoral de R$ 5,7 bilhões pelo Congresso Nacional na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022, outro ponto para causar barulho no Orçamento do ano que vem, com potencial de desestabilizar ainda mais as contas do governo federal. Trata-se da atualização da Estratégia Nacional de Defesa (END) que, entre outros objetivos, inclui aumentar o orçamento anual do Ministério da Defesa para o patamar de 2% do Produto Interno Bruto (PIB). A proposta precisa ser aprovada com o Plano Estratégico Setorial do Ministério da Defesa para o período de 2020 a 2031, enviado ao Legislativo em junho do ano passado.

A iniciativa desperta curiosidade de especialistas em contas públicas para saber como a área econômica do governo vai lidar com esse abacaxi. Procurado, o Ministério da Economia preferiu não comentar o assunto. Também foram encaminhados ao Congresso a Política Nacional da Defesa (PND) e o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN).

A exemplo das emendas do relator que tumultuaram a votação da peça orçamentária deste ano e estão sendo questionadas pela oposição junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) devido à falta de transparência no direcionamento dos gastos, a proposta dos militares deverá disputar recursos orçamentários que são escassos, já que o governo não cumpriu a promessa de campanha de melhorar a qualidade do gasto público.

As contas públicas estão no vermelho desde 2014, e para cumprir os 2% do PIB por ano de gastos com as Forças Armadas, será preciso arrumar espaço no Orçamento para pouco mais de R$ 50 bilhões. Esses recursos precisarão ter uma fonte, seja por meio de aumento de impostos, seja por corte de alguma despesa não obrigatória. O espaço extra no teto de gastos em 2022 está encolhendo e, pelas estimativas do Tesouro Nacional, gira em torno de R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões.

O Executivo precisa enviar ao Legislativo o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) do próximo ano até o fim de agosto e, até lá, o cabo de guerra entre as pastas para a disputa de recursos estará armado. Para analistas, a proposta da Defesa veio em má hora e precisa ser deixada de lado, porque as prioridades do governo, neste momento de pandemia, precisam ser a saúde, a educação e o combate ao desemprego, que atinge quase 15 milhões de brasileiros.

As Forças Armadas ocupam mais de 6 mil cargos no Poder Executivo e foram bastante privilegiadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de acordo com especialistas. Eles lembram que os militares foram a única categoria sem congelamento de salário no atual governo e ainda ficaram de fora da reforma da Previdência, em 2019.

"O nosso maior inimigo é a situação fiscal, que vem se agravando. Portanto, falta dinheiro para todos os setores. A situação é difícil, e não é só a Defesa que precisa de recursos. Essa pasta não pode ser uma ilha de prosperidade em um oceano de dificuldade. Faltam investimentos para ciência e tecnologia, saúde e educação, que são estratégicos para o desenvolvimento do país", destaca Gil Castello Branco, Gasto do país é o 15º do mundosecretário-geral da Associação Contas Abertas.

"Neste governo, os militares já estão sendo privilegiados e contemplados com atitudes que favorecem a categoria, como reajustes e, recentemente, o teto duplex", destaca Castello Branco. Ele se refere à portaria do Ministério da Economia, publicada recentemente, permitindo que aposentados e militares da reserva com cargos no Executivo recebam integralmente as duas remunerações, sem respeitar o limite do funcionalismo de R$ 39,2 mil. A portaria aumentou em até 69% os salários de generais que integram o primeiro escalão.

O Ministério da Defesa garante que a ampliação de recursos "não pressupõe novos aumentos de gastos com pessoal" e, sim, em "investimentos estratégicos". "Cabe ressaltar que tal patamar tem o intuito de atender ao aprestamento do contingente militar, a manutenção das mais de 1.600 organizações militares (OM) em todo o território nacional, a manutenção/operação de meios e armamentos militares e o cumprimento de compromissos contratuais de projetos estratégicos firmados, além da modernização e obtenção de novos meios militares, a fim de permitir o cumprimento das missões constitucional e subsidiárias das Forças Armadas", informa o órgão, por meio de nota.

O Ministério da Defesa ainda diz que os investimentos em projetos estratégicos "são fatores relevantes para o desenvolvimento e o progresso do Estado brasileiro" e ser um instrumento "eficaz e efetivo" para contribuir com a economia doméstica, garantindo empregos e renda em diversos setores da economia e fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação. "Ademais, esses investimentos são necessários para garantir a manutenção da soberania nacional", reforça.