Correio Braziliense, n. 21245, 25/07/2021. Política, p. 2

Acordo pela sobrevivência
Ingrid Soares
25/07/2021



A aproximação de vez com o Centrão é uma tentativa do presidente Jair Bolsonaro de estancar as crises pelas quais passa o governo. Se, na campanha eleitoral de 2018, o então candidato ao Planalto levantou a bandeira da rejeição à “velha política” e ao “toma lá, dá cá”, agora se rende às práticas que ele demonizou, porque é ameaçado por pedidos de impeachment, está em queda na popularidade e enfrenta denúncias de corrupção dentro do Executivo.

Na avaliação de André Borges, professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), a decisão de Bolsonaro de se unir ao Centrão mostra a fragilidade da base do governo. Além disso, representa uma derrota para a ala militar, com a saída de Luiz Eduardo Ramos da Casa Civil para a nomeação do senador Ciro Nogueira (PP-PI). “A articulação feita pelo Ramos não estava, de fato, funcionando a contento. A entrada de Ciro indica uma derrota desse grupo militar. Por um lado, isso reforçará, na opinião pública, a percepção de que o presidente traiu o compromisso de campanha de governar de forma diferente. Inclusive, pessoas muito próximas deram a entender que o governo não buscaria esse apoio”, ressalta. “Esse movimento só vai ampliar a percepção de que quem manda é o Centrão, mas pode dar um fôlego para evitar um processo de impeachment. No entanto, isso não garante que o Centrão o apoiará até o final.”

Ricardo Ismael, cientista político da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), destaca que Ciro Nogueira no comando da Casa Civil aumentará a influência do Centrão nas decisões do governo. Ele frisa, no entanto, que o bloco não decidiu sobre o apoio a Bolsonaro em 2022. “O Centrão não vai caminhar para o abismo se Bolsonaro não for competitivo. Mas com cargos e emendas, ainda vê o presidente mais ganhando que perdendo”, diz. “O governo está dependente desse apoio no Congresso. É um acordo para sobrevivência política, mas é preciso ter cuidado, pois o bloco muda de candidato como se muda de roupa.”

O especialista aponta que o mandatário não conseguirá evitar o desgaste causado pela aliança. “Isso tem reflexo negativo junto ao eleitorado bolsonarista raiz. Ele vai ter de enfrentar esse risco. O Centrão vai apoiar propostas do governo como a reforma tributária, mas Bolsonaro fica refém durante o ano inteiro.”

Na opinião de Vera Chemin, advogada constitucionalista, com a aproximação, Bolsonaro encontrará mais facilidade de aprovação das pautas no Congresso. “Com Ciro Nogueira na chefia da Casa Civil, é possível deduzir que os projetos de interesse institucional da Presidência da República terão maior suporte nas duas Casas Legislativas e poderão ser agilizados, uma vez que o Centrão detém um número significativo de partidos políticos”, afirma. Porém, do ponto de vista eleitoral, é provável que esse arranjo cause enfraquecimento do mandatário. “Quem votou em Bolsonaro para não votar no PT poderá, sim, mudar o voto, isto é, transitar para uma provável terceira via. A única dúvida é se haverá uma alternativa viável.”

O cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, destaca que Bolsonaro “não desceu do palanque e atacou sistematicamente o Centrão na campanha, no governo”. “Agora, está de braço dados e o trouxe para o núcleo duro. É um presidente enfraquecido e acuado. Em termos de política imediata, pode sair ganhando, pois mantém o mínimo de uma base que poderá ajudá-lo no trânsito com o Congresso”, ressalta.