Correio Braziliense, n. 21244, 24/07/2021. Política, p. 4

MPF abre ação contra Bolsonaro por racismo
Jessica Gotlib
Fabio Grecchi
24/07/2021



O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizaram uma ação contra Jair Bolsonaro por prática do crime de racismo. A denúncia foi feita com base nas declarações do presidente da República durante conversa com apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada, em 8 de julho, quando ele se referiu ao cabelo crespo de um apoiador negro, o missionário Maicon Sullivan, como "criatório de baratas". De acordo com o texto, a intenção é que sejam adotadas medidas de "reparação, indenização e de cessação de danos, por danos extrapatrimoniais ou morais coletivos, e ainda, danos sociais".

Bolsonaro, segundo a ação do MPF, tinha pleno conhecimento "de que estava sendo filmado e de que tal vídeo circularia em redes sociais". A ciência de que o comentário seria reproduzido e de que poderia trazer consequências foi um dos pontos apresentados contra o presidente para caracterizar a conduta.

"Ao contrário do que superficialmente possa parecer, o presidente não proferiu apenas piadas infelizes e de péssimo gosto. Tampouco, a manifestação do cidadão no sentido de não se afetar com o comentário descaracteriza a prática racista, com todas as consequências jurídicas de responsabilização, uma vez que a sua realização pública e transmitida acaba por afetar toda a população negra, inclusive com repercussão internacional", argumentam os defensores e procuradores.

Entre os pedidos feitos no processo estão: a retirada dos vídeos do ar, a expedição de orientação aos agentes públicos do governo federal "indicando a ilicitude penal e administrativa de condutas e manifestações racistas, sob pena de multa em caso de descumprimento", e a condenação da União e do presidente por danos morais coletivos em duas indenizações com valor total de R$ 15 milhões.
O episódio classificado pelo MPF como racismo aconteceu durante uma conversa com simpatizantes, na saída do Palácio do Alvorada, quando Bolsonaro se referiu pejorativamente ao cabelo de Sullivan. "Como está a criação de barata aí? Olha o criador de barata aqui. Você não pode tomar ivermectina que vai matar seus piolhos", disse, jocosamente. As imagens foram transmitidas por um canal no YouTube que apoia o presidente.

Na mesma noite em que associou o cabelo crespo à falta de higiene, Sullivan participou da live do presidente, ao lado do ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes.
Bolsonaro, porém, tinha feito comentário semelhante, também com Sullivan, em maio passado, em outra conversa na saída do Alvorada. "Quantas vezes você lava esse cabelo por mês?", indagou, aos risos, a Sullivan — que se justificou dizendo que não é um "negro vitimista" e que o presidente tem intimidade para "brincar": "O presidente tem essa intimidade para brincar, da mesma maneira que dá liberdade para o pessoal brincar", saiu-se.