Valor Econômico, n. 5238, 29/04/2021. Política, p. A11

 

CPI inicia com guerra de convocações

Renan Truffi

Vandson Lima

29/04/2021

 

 

Fala de ministro de que teria tomado vacina escondido de Bolsonaro deve ser usada por opositores

A definição do plano de trabalho da CPI da pandemia ocorrerá hoje no Senado e promete ser uma batalha entre aliados e opositores do presidente Jair Bolsonaro.

Com 260 requerimentos de informação, documentos e pedidos de depoimentos apresentados até ontem, os governistas querem convocar vários governadores, em especial adversários do governo federal como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), para colocar sobre eles a culpa pela má-gestão da crise sanitária.

Do outro lado, opositores usarão o caso do ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, que tomou escondido do presidente a vacina para a covid-19, como mais um indício de que é Bolsonaro o responsável pela política errática que levará o país à marca de 400 mil mortos, prestes a ser alcançada.

O vice-líder do governo no Congresso Nacional, senador Marcos Rogério (DEM-RO), preparou 33 requerimentos, com quatro solicitações de convocação de governadores: além de João Doria, Rui Costa (PT), da Bahia; Hélder Barbalho (MDB), do Pará; e Wilson Lima (PSC), do Amazonas.

Os três primeiros são adversários declarados do governo Jair Bolsonaro e o último é um dos principais alvos da CPI por conta do colapso que atingiu Manaus (AM) em janeiro, quando várias pessoas morreram por falta de oxigênio no hospitais. Também estão na mira de Marcos Rogério o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), e o médico infectologista David Uip, coordenador do comitê de saúde de São Paulo.

O DEM, partido de Marcos Rogério, é o aliado mais próximo do atual governo de São Paulo. O vice-governador, Rodrigo Garcia, pertence à sigla - mas pode estar de saída. Caso Doria concorra à Presidência em 2022, Garcia assumirá o governo paulista e a ideia é que ele migre para o PSDB e seja o candidato tucano na disputa estadual.

O senador Ciro Nogueira (PP-PI), líder do Centrão, já havia dado início à ofensiva para trazer os Estados para dentro de CPI, como vem pedindo Bolsonaro. Ele apresentou requerimentos que buscam coletar informações tanto sobre uso de verbas federais como sobre investigações relativas à aplicação desses recursos em qualquer um dos 26 Estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Entre as solicitações de informações junto a governos estaduais ou a órgãos de controle, uma requisita, por exemplo, que as 27 diretorias-gerais de Polícia Civil e da Polícia Federal enviem cópia integral, em PDF, de “todos os inquéritos ou investigações em qualquer fase, relativos à aplicação de todos os recursos federais destinados aos Estados, Distrito Federal e municípios de até 200 mil habitantes para o combate à covid-19”. No mesmo pedido, o senador pede “todos os bancos de dados criados pelos respectivos órgãos policiais, relativos à mesma matéria”.

Os governistas também recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para retirar Renan Calheiros (MDB-AL) da relatoria da CPI. O pedido de mandado foi feito por Rogério e os senadores Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE). No STF, o ministro Ricardo Lewandowski foi sorteado relator da ação. A peça protocolada argumenta que Renan Calheiros estaria impedido de exercer a função por ter parentesco com o governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), que eventualmente pode ser um dos investigados pela CPI. Os aliados de Bolsonaro também recorrem ao artigo 306 do regimento da Casa. Este trecho diz que nenhum senador presente à sessão da Casa poderá escusar-se de votar, salvo quando se tratar de assunto em que tenha interesse pessoal, devendo declarar o impedimento antes da votação e sendo a sua presença computada para efeito de quórum.

“Ora, se não lhes é permitido votar em matérias em que possam ter interesse pessoal, por óbvio e por economia processual, também não deverá ser permitida a participação de parlamentares que possam ter que se abster de votar ou relatar por estarem diante de um claro impedimento”, aponta a peça.

Mello foi às redes sociais e classificou a indicação de Renan como relator como um “deboche”. “Não vamos admitir relatório pronto e tendencioso com único objetivo de atingir o governo Bolsonaro”. O senador Otto Alencar (PSD-BA), que faz parte do G7, grupo que detém maioria entre os 11 do colegiado, acusou os colegas de serem antiéticos e estarem buscando “aparecer na mídia”. Na visão dele, o mandado de segurança desrespeita a decisão majoritária, que indicou o emedebista para o cargo.

O caso do ministro Ramos pode ensejar um pedido de convocação do ministro, que estava sendo avaliado pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Para constranger Bolsonaro, Otto pretende fazer um apelo público na sessão para que o presidente “dê exemplo” à população e se vacine. “O áudio mostra que o Ramos não contou que se vacinou para não contrariar o chefe, por constrangimento. Eu faço um apelo ao presidente para que ele tome a vacina. Espero que, no âmbito da CPI, a gente consiga convencê-lo”.

Os integrantes do chamado “gabinete do ódio”, responsável pela mobilização pró-Bolsonaro em redes sociais - e acusados de propagar notícias falsas contra adversários do presidente - também está na mira da CPI. O senador Humberto Costa (PT-PE) apresentou requerimentos para convocar os assessores do Planalto Tércio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz. Além deles, o petista também quer que preste depoimento Marcos Eraldo Arnoud, o Markinhos Show, marqueteiro nomeado como assessor especial do Ministério da Saúde.