O Estado de São Paulo, n. 46534, 14/03/2021. Economia, p.B5

 

 

 

Governo planeja reduzir valor do seguro-desemprego

 

 


Estudo propõe que parcelas sejam cortadas ao longo do tempo; beneficiário passaria a receber com redução de 10% a cada mês

 

Idiana Tomazelli / BRASÍLIA

 

O governo estuda mudanças no programa de seguro-desemprego. As alterações que devem ser feitas por meio de medida provisória vão incluir nova regra de cálculo do benefício. A minuta da MP já está concluída. Hoje, o trabalhador dispensado sem justa causa recebe de três a cinco parcelas com valor fixo. Pela proposta, o beneficiário passaria a receber parcelas com redução de 10% a cada mês, desde que respeitada a garantia de ao menos um salário mínimo (R$ 1,1 mil).

A redução progressiva de 10% a cada mês é aplicada sobre o benefício inicial. Um trabalhador que hoje tenha direito a cinco parcelas de R$ 1,5 mil, por exemplo, passará a receber esse valor cheio no primeiro mês, R$ 1,35 mil no segundo, R$ 1,2 mil no terceiro e R$ 1,1 mil nos dois últimos, pois já terá atingido o limite de redução dado pelo piso nacional. Se esse mesmo trabalhador precisar recorrer novamente ao seguro-desemprego no futuro, o jogo é zerado: ele começa recebendo o benefício cheio para só então ser aplicada a redução progressiva.

A expectativa do governo é que a mudança afete apenas uma parcela dos beneficiários, já que boa parte dos trabalhadores que acessam o seguro-desemprego já recebe na largada o valor de um salário mínimo. Portanto, eles não seriam alvo da redução progressiva. Em fevereiro, o valor médio do benefício ficou em R$ 1.371,78.

A reestruturação do seguro-desemprego, revelada pelo Estadão, está sendo elaborada em um momento de piora no mercado de trabalho e incertezas sobre a retomada da economia. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a área econômica reconhece que as medidas não são confortáveis, sobretudo em um momento delicado para o emprego como o atual. Porém, a equipe considera a mudança essencial para a recuperação da atividade.

Além disso, a economia de recursos obtida com as mudanças é tida como "única alternativa" para conseguir bancar uma nova edição do programa que permite acordos de redução de jornada e salário ou suspensão de contrato.

 

Amortecedor. Após o salto da dívida pública em 2020, devido aos gastos com programas de combate a efeitos econômicos e sociais da pandemia de covid19, a equipe econômica tem centrado esforços no desenho de soluções que dependam menos do dinheiro do governo para evitar o descontrole das contas.

O próprio relançamento do programa de redução de jornada e salários, adotado no ano passado, é considerado uma espécie de "amortecedor" para a realização de mudanças no seguro-desemprego em momento de fraqueza da economia.

Na avaliação da área econômica, embora haja redução do salário, o programa prevê o pagamento de uma compensação, o benefício emergencial (BEm), e também assegurar a permanência no emprego por um período igual ao do acordo. Além disso, o valor do BEm será calculado sobre a parcela cheia do seguro, sem incidência da redução progressiva.

No ano passado, 6,2 milhões de brasileiros receberam o seguro-desemprego, assegurado apenas a trabalhadores com carteira assinada. O número foi 1,9% menor do que em 2019. No auge do isolamento devido à pandemia, em maio, a quantidade de pessoas recebendo o seguro chegou a crescer 43,7% em relação a igual mês do ano anterior, mas a tendência foi arrefecendo à medida que o BEm ganhou adesões e a economia deu sinais de recuperação no segundo semestre de 2020.

Como mostrou o Estadão,a proposta de mudança no seguro-desemprego é ampla e busca combater o que o governo identifica como "incentivos perversos" à informalidade e à prática de fraudes. Pelo diagnóstico dos técnicos do governo, é comum hoje que um trabalhador permaneça na informalidade e postergue o ingresso em uma nova vaga formal de trabalho para poder continuar recebendo o seguro-desemprego.

 

Resistências. No novo modelo desenhado pela área econômica, o trabalhador que conseguir novo emprego durante seu aviso prévio ou antes do pagamento da primeira parcela do seguro-desemprego poderá receber 50% do valor da prestação seguinte. Caso ele seja contratado antes do repasse da segunda parcela, receberá 30% do valor previsto.

Os estudos levaram em consideração recomendações do Banco Mundial e do Tribunal de Contas da União (TCU) para combater fraudes e melhorar o desenho do programa. No entanto, mudanças no seguro-desemprego costumam enfrentar resistências no Congresso.

Em 2015, a ex-presidente Dilma Rousseff editou medida que endurecia as regras de acesso ao seguro-desemprego. O Congresso validou uma versão mais branda. Em 2019, o presidente Bolsonaro tentou criar um programa de estímulo à geração de vagas formais para os jovens, cujo custo seria compensado pela cobrança de uma alíquota previdenciária de 7,5% sobre o seguro-desemprego. A proposta foi rejeitada e acabou naufragando sem apoio dos parlamentares.

 

Perdas

R$ 1,25 mil

é quanto um trabalhador demitido que teria direito a receber cinco parcelas de R$ 1,5 mil cada de salário-desemprego vai deixar de ganhar

 

COMO FICA O SEGURO

Reformulação do programa pensada pelo governo

'Prêmio' para quem consegue emprego

A ideia é pagar 50% da primeira parcela a que teria direito para o trabalhador que conseguir novo trabalho formal no aviso prévio ou antes da primeira parcela. Se conseguir emprego antes da segunda parcela, recebe 30% do valor previsto para o mês.

 

Redução de 10% nas parcelas

O governo quer reduzir 10% a cada mês do valor do seguro-desemprego, desde que respeitada a garantia de ao menos um salário mínimo. Hoje a parcela é fixa. O menor valor é R$ 1,1 mil e o maior, R$ 1,9 mil.

 

Incentivo para empresas

A proposta prevê dois tipos de incentivo: para as que demitirem, mas ajudar na recolocação do empregado, a multa do FGTS cairá à metade (20%). A companhia que recontratar o trabalhador ainda no aviso prévio recolherá 2% de FGTS sobre o salário no primeiro ano (hoje é 8%).

 

Benefício emergencial

Economia obtida com reformulação do seguro-desemprego deve bancar o benefício emergencial – compensação a trabalhadores que fazem acordo de redução de jornada e salário ou suspensão do contrato. Programa deve ser relançado e acordos poderão durar até quatro meses. O BEm será pago por dois meses e, nos outros dois, será antecipado o seguro-desemprego sem redução.