O Estado de São Paulo, n. 46531, 11/03/2021. Economia, p.B1

 

 

 

PEC do auxílio é desidratada na Câmara em uma derrota para equipe econômica

 

 

Idiana Tomazelli

Camilla Turtelli

Anne Warth/ BRASÍLIA

 

Após o presidente Jair Bolsonaro abrir caminho para investidas contra as medidas de ajuste da PEC emergencial, a equipe econômica precisou abrir mão do gatilho que barraria promoções e progressões de servidores em suas carreiras em situações de comprometimento severo das finanças ou calamidade nacional.

A saída, para viabilizar a conclusão da votação da PEC na Câmara, foi costurada para evitar uma derrota ainda maior e que resultaria na retirada de praticamente todas as ações de contenção de gastos no futuro, incluindo o congelamento de salários do funcionalismo. Na madrugada de ontem, a PEC havia sido aprovada em primeiro turno por 341 votos a favor e 121 contra. Até o fechamento desta edição, os deputados ainda votavam os destaques para depois votarem o segundo turno da proposta.

Integrantes da equipe econômica reconhecem nos bastidores que o acordo foi uma derrota para o governo, mas ressaltam que a negociação evitou um desfecho muito pior, que seria a desidratação completa da PEC. Desde o início, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, trabalha para aprovar a nova rodada do auxílio emergencial em combinação com um novo marco fiscal que garanta instrumentos de contenção de gastos.

O próprio presidente acabou celebrando a preservação do “coração da PEC”, embora tenha deflagrado na segunda-feira o movimento que pretendia retirar o congelamento das progressões na carreira, atendendo a apelos da bancada da segurança pública. Na ocasião, Bolsonaro chegou a dizer que três dispositivos poderiam ser retirados do texto e dar origem a uma PEC paralela. “Se um ou outro dispositivo for suprimido faz parte da regra do jogo, mas o coração do projeto está sendo mantido”, afirmou o presidente ontem, com a negociação já sacramentada.

Antes do acordo, o governo já tinha sido derrotado na votação que tirou da PEC o trecho que acabava com o carimbo de R$ 65 bilhões em receitas hoje atreladas a fundos ou despesas específicas. A medida daria maior flexibilidade na gestão do Orçamento e da dívida pública .


Congelamento. Na esteira dessa votação, cresceu o risco de aprovação de um destaque do PT que derrubaria todos os gatilhos de congelamento de salários de servidores e outras despesas do governo, acendendo o alerta na equipe econômica. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), propôs então manter a possibilidade de progressões e promoções nas carreiras, mesmo durante os estados de calamidade ou emergência fiscal (quando há elevado comprometimento das finanças de União, Estados ou municípios).Antes do acordo, o governo já tinha sido derrotado na votação que tirou da PEC o trecho que acabava com o carimbo de R$ 65 bilhões em receitas hoje atreladas a fundos ou despesas específicas. A medida daria maior flexibilidade na gestão do Orçamento e da dívida pública (veja mais detalhes abaixo).

Por esse acerto, o governo poderá congelar os salários dos servidores em período de crise, mas não poderá travar as promoções ou progressões, que na prática resultam em incremento na remuneração do funcionalismo.

Em um primeiro momento, o anúncio do acordo foi mal recebido pelo mercado financeiro, que interpretou a negociação como um “drible” da ala política do governo na equipe de Guedes. Os agentes estavam ressabiados depois de o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ter precisado entrar em campo na terça-feira para barrar tentativas de desidratar a PEC emergencial. No entanto, após o Estadão/broadcast revelar que o acerto teve o aval da equipe econômica, os ânimos melhoraram sob o mesmo conformismo de que era preciso “evitar o pior”. A Bolsa acabou fechando em alta.

A estratégia da equipe econômica foi baseada em cálculos internos sobre o quanto cada uma dessas medidas poderia render de economia aos governos estaduais, municipais e à própria União.

Segundo apurou o Estadão/broadcast, técnicos calculam que o impacto das progressões na União pode ficar entre R$ 500 milhões a R$ 2 bilhões, a depender da quantidade de servidores com ascensão na carreira programada para o ano. Na média, o impacto é calculado em R$ 1,2 bilhão por ano. Já nos Estados e municípios, o custo com as progressões é mais elevado e fica entre R$ 10 bilhões e R$ 14 bilhões por ano, porque muitos ainda possuem benefícios como triênios ou quinquênios (reajuste automático a cada três ou cinco anos de serviço, respectivamente).

Pelo acordo, o próprio governo vai endossar, na votação da PEC em segundo turno, a aprovação de um destaque (que é uma proposta avulsa de mudança) para retirar do texto o congelamento de progressões e promoções.

A negociação sucedeu ainda à intensa mobilização de policiais, categoria que integra a base de apoio a Bolsonaro, contra os gatilhos de ajuste nas despesas. Na terça, as categorias reclamaram que o governo trata as forças de segurança com “desprezo”. / COLABOROU DANIEL WETERMAN 

 

O que são gatilhos

Mecanismos de contenção de despesas acionados automaticamente para auxiliar na redução do rombo das contas públicas.

 

 

 

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Câmara tira dispositivo que liberaria R$ 65 bi

 

 


Foi aprovado destaque que retirava do texto a possibilidade de desvinculação de receitas hoje carimbadas

 

BRASÍLIA

 

O plenário da Câmara dos Deputados derrubou um dispositivo da PEC emergencial que daria mais flexibilidade ao governo na gestão do Orçamento federal. Os parlamentares aprovaram um destaque do PDT que retirava do texto a possibilidade de desvinculação de receitas hoje carimbadas para órgãos, fundos ou despesas específicas. Foram 178 votos a favor e 302 contra a retirada – eram necessários 308 votos contrários para manter o texto do relator.

Segundo apurou o Estadão/broadcast, cálculos do governo apontavam inicialmente que o dispositivo de desvinculação dessas receitas poderia liberar cerca de R$ 72 bilhões por ano. Nos trâmites finais da PEC no Senado, esse valor já havia caído a cerca de R$ 65 bilhões, pois os congressistas ampliaram a lista de exceções, ou seja, fundos ou classes de despesas imunes à vinculação. Como mostrou a reportagem, uma das alterações de última hora beneficiou ações de "interesse à defesa nacional" e "destinadas à atuação das Forças Armadas".

Os recursos não seriam dinheiro novo para gastar, mas ficariam disponíveis para bancar gastos de outras áreas, que eventualmente precisem ser financiados com recursos obtidos com a emissão de títulos da dívida pública. Hoje, a receita atrelada a determinado fundo ou órgão não pode ser utilizada para outra finalidade, o que foi mantido com a derrubada do destaque.

A desvinculação é uma das bandeiras defendidas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, desde a campanha eleitoral. O dispositivo inserido na proposta, porém, tinha alcance mais limitado do que o desejado pela equipe econômica e já vinha ganhando uma lista ainda maior de exceções.

Parlamentares do PDT comemoraram a manutenção dos recursos vinculados para despesas nas áreas de educação, saúde e assistência, mas a medida também beneficiou auditores fiscais, que eram contrários à desvinculação de recursos que abastecem fundos da Receita Federal usados no pagamento de bônus aos profissionais do órgão.

A equipe econômica foi contra a derrubada do destaque, embora parlamentares alinhados ao governo tenham defendido a mudança. "Não é justo falar em equilíbrio fiscal tirando recursos da administração tributária", disse o deputado Celso Sabino (PSDB-PA)./ I.T. e C. T.