O Estado de São Paulo, n. 46530, 10/03/2021. Política, p.A4

 

 

 

STF avança em julgamento sobre suspeição de Moro

 

 

 

 

Lava Jato. Gilmar Mendes contraria Fachin e leva para análise da 2ª Turma acusação de parcialidade do ex-juiz ao condenar Lula; com placar em 2 a 2, Nunes Marques adia desfecho

 

BRASÍLIA

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes contrariou o relator da Lava Jato, Edson Fachin, e levou ontem para julgamento a discussão sobre a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ação do triplex do Guarujá. Após horas de discussão, porém, com placar empatado em 2 a 2, a Segunda Turma do Supremo adiou a conclusão do caso. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a Corte.

Fachin anulou, anteontem, todas as condenações impostas a Lula na Lava Jato, tornando o petista novamente habilitado para disputar a eleição presidencial de 2022. Ao tomar essa atitude, o magistrado deu por encerrada a discussão sobre a conduta de Moro, considerando prejudicado o pedido da defesa do expresidente para que o Supremo declarasse o ex-juiz da Lava Jato parcial. Mas o gesto de Fachin acirrou os ânimos no Supremo.

Com apoio dos colegas, Gilmar levou a suspeição de Moro para análise da Segunda Turma, em uma sessão marcada por fortes críticas à atuação dos investigadores da Lava Jato. “O combate à corrupção deve ser feito dentro dos moldes legais. Não se combate crime cometendo crime”, disse Gilmar, ao iniciar a leitura de seu voto. O ministro usou palavras duras ao destacar que mostrava ali o “funcionamento do maior escândalo judicial da história”. “Ninguém pode se achar o ‘ó do borogodó’. Cada um vai ter seu tamanho no final da história. Um pouco mais de modéstia, calcem as sandálias da humildade”, observou o ministro ao lembrar manifestação feita por ele quando participou de debate no Senado, em 2016, sobre medidas de combate à corrupção.

Antes do início do julgamento, adiado agora por tempo indeterminado, Fachin lançou uma ofensiva para reduzir danos. Na prática, tentou preservar a Lava Jato e tirar o foco de Moro, como mostrou o Estadão.

A retomada da análise sobre a suspeição do ex-juiz e ex-ministro da Justiça, no entanto, pode resultar no cenário que o relator da Lava Jato buscava evitar. Segundo o Estadão apurou, há uma tendência de que a Segunda Turma declare que Moro agiu com parcialidade ao condenar Lula. Um dos temores de Fachin é de que o resultado do julgamento provoque uma reação em cadeia, contaminando os demais processos da Lava Jato.

Foi por isso que o ministro optou por uma saída técnica, declarando a Justiça Federal de Curitiba incompetente para julgar Lula e determinando o envio dos processos para Brasília. Fachin não analisou o mérito das provas coletadas contra o ex-presidente, que levaram à condenação dele pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

 

Surpresa. Ao pedir vista e impedir a conclusão do julgamento, Nunes Marques alegou que não teve tempo para elaborar um voto sobre o caso, já que o processo foi incluído na pauta faltando menos de três horas para a sessão da Segunda Turma. “Todos nós sabemos que esse é um processo de extrema relevância e de um conteúdo extremamente vasto e complexo. Até que tentei alinhar um voto, mas o tempo foi extremamente curto para um membro da Corte que jamais participou do processo e que não tinha absolutamente nenhum conhecimento sobre ele”, disse.

O placar ficou em 2 a 2 numa turma de cinco ministros. Nunes Marques foi o único que não votou. O magistrado já havia sinalizado nos bastidores que poderia reforçar a ala contrária à Lava Jato e votar pela suspeição de Moro.

Cármen Lúcia, por sua vez, indicou que concordava com trechos dos votos de Gilmar e de Ricardo Lewandowski, que também viu parcialidade em Moro. A ministra chegou a apoiar Gilmar, quando ele condenou a interceptação telefônica do escritório dos advogados de Lula, alegando que o episódio remetia a regimes totalitários. “Gravíssimo”, interrompeu Cármen. “Eu tenho voto escrito, mas vou aguardar o voto vista do ministro Kassio. Vossa Excelência (dirigindo-se a Gilmar) trouxe um voto profundo, com dados muito graves”, disse Carmen.

A análise sobre a atuação de Moro começou em dezembro de 2018, quando Fachin e Cármen Lúcia votaram para rejeitar o pedido de Lula. Na ocasião, a sessão foi interrompida por pedido de vista de Gilmar. O julgamento ganhou novos contornos, porém, depois que vieram à tona mensagens obtidas por hackers e atribuídas ao ex-juiz e a integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. As mensagens foram usadas por Gilmar e Lewandowski para reforçar as acusações contra Moro, ainda que o STF não tenha ainda analisado a validade das provas.

Para Lewandowski, Moro atuou em “completo menosprezo ao sistema judicial”. “Por razões mais do que espúrias, porque todos os desdobramentos do processo levam ao desenlace de que o ex-juiz extrapolou os limites ao assumir papel de coordenador dos órgãos de investigação e acusação”, afirmou o ministro./ RAFAEL MORAES MOURA, AMANDA PUPO, PAULO ROBERTO NETTO, PEPITA ORTEGA e RAYSSA MOTTA