O Estado de São Paulo, n. 46529, 09/03/2021. Política, p.A4

 

 

 

Fachin anula ações na Lava Jato e torna Lula elegível

 

 

Rafael Moraes Moura

 

O relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, anulou ontem todas as condenações impostas pela operação ao expresidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que torna o petista novamente habilitado para disputar a eleição de 2022. A decisão provocou turbulência no mercado financeiro e redesenhou o cenário eleitoral, uma vez que Lula é o nome mais forte, até agora, para enfrentar o presidente Jair Bolsonaro.

Fachin determinou o envio dos processos à Justiça Federal do Distrito Federal, a quem caberá analisar as provas colhidas contra Lula nos casos do triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia, das ações sobre a sede do Instituto Lula e doações recebidas pela entidade. O ministro não se debruçou, porém, sobre o mérito das provas coletadas contra o ex-presidente, que levaram a condenações pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Na prática, o magistrado se limitou a examinar questões técnicas ao concluir que a Justiça Federal de Curitiba não tinha competência para cuidar das ações contra o petista porque esses processos não dizem respeito diretamente ao bilionário esquema de corrupção na Petrobrás.

Em uma decisão de 46 páginas, Fachin observou que outras ações já deixaram o seu gabinete e a Justiça de Curitiba pelo mesmo motivo. O habeas corpus de Lula analisado pelo ministro chegou ao STF em novembro do ano passado, levando quatro meses para ser examinado. Esse ponto já havia sido levantado pela defesa de Lula em outras ocasiões, mas esta foi a primeira vez que Fachin analisou exclusivamente o argumento.

“Com as recentes decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, não há como sustentar que apenas o caso do ora paciente deva ter a jurisdição prestada pela 13.ª Vara Federal de Curitiba. No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário”, escreveu o relator da Lava Jato.

Segundo o Estadão apurou, a manobra do ministro contou com o apoio do presidente do Supremo, Luiz Fux, também mais alinhado à Lava Jato. Ao enviar para a Justiça Federal do Distrito Federal os casos de Lula, Fachin determinou que o juiz que assumir as ações deve decidir “acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios”. Ou seja: o próprio relator da Lava Jato indicou que a Justiça Federal do DF pode confirmar decisões tomadas por Curitiba.

“Nesse momento, o jogo de tabuleiro voltou para a casa um, só que o juiz pode andar mais rápido, pode pular algumas casas e aproveitar atos praticados por Sérgio Moro”, comparou Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio. Para Bottino, a decisão de Fachin esvazia as discussões sobre a parcialidade de Moro ao condenar Lula no caso do triplex. Integrantes da Segunda Turma do STF, no entanto, insistem para que o colegiado ainda julgue a conduta do ex-juiz da Lava Jato.

As condenações mais avançadas contra Lula eram as do caso do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, confirmadas respectivamente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4).

As chances de Lula voltar a ficar inelegível nas próximas eleições são consideradas pequenas, porque dependem do ritmo dos trabalhos da Justiça Federal do DF e do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1). O TRF-1, no entanto, possui um perfil mais “garantista” (mais inclinado a ficar do lado do direito de investigados) que o TRF-4, considerado mais “punitivista” por especialistas e investigadores ouvidos pela reportagem. O prazo de prescrição também pode ajudar Lula a escapar novamente da inelegibilidade.

Como mostrou o Estadão na semana passada, Fachin lançou uma ofensiva para reduzir danos diante de derrotas iminentes que podem colocar em risco o legado da operação. / COLABORARAM PAULO ROBERTO NETTO, PEPITA ORTEGA E RAYSSA MOTTA