O Estado de São Paulo, n. 46529, 09/03/2021. Notas e Informações, p.A2

 

O risco da volta de Lula às eleições

 

ALOÍSIO DE TOLEDO CESAR 

 

 

 

Entre os petistas vem circulando uma frase proferida pelo ditador Getúlio Vargas ao ser deposto na qual profetizava sua volta ao poder. Realmente, no dia 1.º de novembro de 1945, ao ser deposto, ele embarcou no Santos-dumont num avião da FAB que o levaria a São Borja, sua terra.

Ao seu sobrinho Serafim Dornelles, que o acompanhava, ele ditou a seguinte profecia, relatada no livro de Lira Neto: “Deves ter ouvido dizer que a política se assemelha a um jogo de poder. Indiscutivelmente, em alguns pontos se assemelham. Por exemplo: eu sou uma pedra que foi movida da posição que ocupava. E eles pensam que vou permanecer onde me colocaram. É o grande erro deles. Não sabem que vamos começar um novo jogo – e com todas as pedras de volta ao tabuleiro”.

Tinha razão o renitente ditador, porque um novo jogo político começou e ele foi candidato à Presidência da República, concorrendo com o brigadeiro Eduardo Gomes, do grupo de militares que o alijara do poder. Venceu as eleições e o País só ficou livre dele com sua morte, por suicídio.

Entre os petistas a agitação é compreensível, porque seu líder máximo, Lula da Silva, está solto e deu a entender que se for para o bem do País fará o sacrifício de concorrer contra o presidente Jair Bolsonaro nas eleições do ano que vem. Veja-se que esse futuro assusta mais do que o bichopapão para criancinhas: de um lado, teremos o rei da incompetência e do desprezo pelos milhares de brasileiros mortos pela covid e, de outro, o rei da corrupção, que fez o Brasil figurar mundialmente como um dos mais corruptos países do mundo.

No que se refere especificamente ao ex-presidente Lula existem incertezas jurídicas, mas a Justiça – ora, a Justiça, pensarão os petistas – é algo que se pode superar ou anestesiar. Não conseguiu o filho do presidente Bolsonaro atenuar a força do processo das rachadinhas?

A rigor, durante longo período as decisões judiciais que envolviam os atos do ex-presidente Lula foram severas e sempre tendentes à condenação, razão pela qual ele se viu privado dos direitos políticos pelo prazo de oito anos e perdeu os imóveis no Guarujá e em Atibaia.

Já em liberdade, os brasileiros perceberam que ele era mais importante preso do que solto. Ainda hoje, podendo circular pelo País, Lula já não ocupa as primeiras páginas dos jornais e as notícias a respeito dele ganham pouco destaque.

Mas, curiosamente, em relação a ele vem ocorrendo nos tribunais superiores uma espécie de abrandamento, indicador de que talvez ele consiga livrar-se daquela parte das condenações que o impede de concorrer. Tome-se em conta também que ele possui no Supremo Tribunal Federal vários e agradecidos ministros, que são mais leais a ele do que ao Brasil.

Basta lembrar, por exemplo, que o ministro Gilmar Mende mudou suas convicções do dia para a noite e, num voto envergonhado, permitiu que Lula saísse da cadeia. Não se pode afastar a previsão de que coisas assim voltem a ocorrer e a permitir que o mais corrupto dos presidentes anule a condenação que o impede de disputar eleições pelo prazo de oito anos, prevista na Lei da Ficha Limpa e presente nas condenações de Lula.

A Lei da Ficha Limpa surgiu de um projeto de iniciativa popular, com apoio de quase 2 milhões de brasileiros, e tornou-se uma importante ferramenta à disposição dos eleitores no momento de escolher seus candidatos. Tanto é assim que “ficha limpa” e “ficha suja” se tornaram as expressões mais práticas para definir um bom e um mau político.

A lei proíbe por oito anos a candidatura de quem tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão definitiva (transitada em julgado) ou de órgão colegiado, mesmo que, nesse caso, ainda haja possibilidade de recursos.

De acordo com o texto, são inelegíveis os candidatos condenados em razão da prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; por crimes contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; e por crimes contra o meio ambiente e a saúde pública.

Também não estão aptos a concorrer a eleições candidatos que tenham cometido crimes eleitorais com previsão de pena privativa de liberdade; crimes de abuso de autoridade, quando houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; de tráfico de entorpecentes e drogas afins; crimes de racismo, tortura, terrorismo e hediondos; de redução à condição análoga à de escravo; crimes contra a vida e a dignidade sexual; e crimes praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.

Enfim, a prevalecer o que dispõe a bem-vinda Lei da Ficha Limpa, o ex-presidente está fora da disputa, mas é claro que os petistas vão tentar modificar esse entendimento. O risco Bolsonaro-lula poderá assombrar-nos bastante no ano que vem.