Correio Braziliense, n. 21186, 27/05/2021. Política, p. 3

 

PGR insiste em blindar governo

Augusto Fernandes

27/05/2021

 

 

PODER » Procuradoria-Geral da República apresenta recurso no STF para tentar retirar o ministro Alexandre de Moraes da relatoria de ação que atinge o titular do Ministério do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Horas depois, magistrado derruba sigilo do processo

Em mais uma investida para tentar proteger o governo devido à investigação sobre a suposta participação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em um esquema que facilitou a exportação ilegal de madeira para países da Europa e os Estados Unidos, o procurador-geral da República, Augusto Aras, tenta retirar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), da relatoria do inquérito.

Ontem, Moraes negou um pedido assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, para que o caso fosse redistribuído à ministra Cármen Lúcia — relatora de duas notícias-crime que denunciam ação indevida de Salles em prol de empresas exportadoras de madeira —, sob a alegação de incompetência de Moraes para relatar o inquérito.

O magistrado respondeu que os fatos relacionados nas ações relatadas pela ministra "são absolutamente diversos" dos que constam no inquérito sobre o eventual envolvimento do chefe do Meio Ambiente no contrabando de produtos florestais. Além disso, ele frisou que "não há qualquer dúvida" sobre a competência dele para continuar à frente do caso.

Mesmo assim, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não desistiu do pedido e recorreu da decisão de Moraes. Jacques de Medeiros encaminhou um ofício ao presidente do STF, Luiz Fux, solicitando uma definição sobre qual ministro deve relatar a investigação ou que ele delegue a decisão ao plenário da Corte.

"O Ministério Público Federal recorre para que a dissonância entre titular da ação penal e relator — ou relatores — seja resolvida com precoce preclusão para o curso do feito, com redução de riscos processuais. Conflitos em conflitos, qual os de competência ou jurisdição, reclamam solução pronta e definitiva. Isso é o que aqui se busca", escreveu o vice-procurador-geral da República.
Horas depois da nova iniciativa da PGR, Moraes derrubou o sigilo do processo contra Salles.

Insatisfação
O fato de a PGR ter recorrido ao STF com um pleito tão "peculiar", como definiu Moraes, demonstra a preocupação de Aras com os possíveis desdobramentos da investigação para o governo. No órgão, existe o entendimento de que o procurador-geral da República busca alguma maneira de blindar, sobretudo, o presidente Jair Bolsonaro.

O primeiro ato aconteceu na semana passada, quando Aras externou ao STF a sua insatisfação com o fato de não ter sido avisado previamente pela Corte a respeito da operação da Polícia Federal que cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços de Salles e derrubou os sigilos bancário e fiscal do ministro. Em um ofício encaminhado ao Supremo, o PGR solicitou que o Poder Judiciário sempre consulte o MPF antes de decretar medidas cautelares e estabelecer decisões que restrinjam direitos fundamentais dos cidadãos.

Até o momento, pesam contra o governo informações da Polícia Federal repassadas ao STF que denotam "fortes indícios" da participação de Salles no esquema fraudulento, como a anuência do ministro ao pedido de duas empresas exportadoras de madeira para que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) revogasse uma instrução normativa de 2011, da própria autarquia, que só autorizava o envio de madeira ao exterior mediante autorização do instituto no local da exportação.

Outras possíveis condutas lesivas de Salles foram reveladas num levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). A partir da análise de 524 atos oficiais assinados pelo ministro ou por órgãos vinculados à pasta, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020, a entidade concluiu que ao menos 124 tinham grau de risco médio, alto ou muito alto para os biomas do país. Segundo o Inesc, percebeu-se um "esforço de desregulamentação do papel de controle dos órgãos ambientais na esfera federal".

O instituto alerta que a maioria das normas possibilitou o enfraquecimento da responsabilização administrativa para punição dos infratores ambientais; da estrutura do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do seu papel de gestão das unidades de conservação; e da atuação da pasta do Meio Ambiente e o redirecionamento de sua atuação na agenda ambiental.