O Estado de São Paulo, n. 46524, 04/03/2021. Economia, p. B2

Um PIB menos ruim
Celso Ming
04/03/2021



O PIB do ano passado foi um desastre. Mas foi um desses desastres que até suportam comemoração, porque poderia ter sido muito pior. Deixou apenas pernas e braços quebrados e escoriações, digamos assim. A agonia não acabou porque as incertezas à frente estão aumentando.

Lá por abril ou maio de 2020, durante um dos piores momentos do ano e sem nenhuma perspectiva de vacinação, os prognósticos eram fortemente negativos. Eram de um PIB despencando no ano entre 9% e 10%. Mas, nos meses seguintes, essas projeções foram sendo retificadas para níveis cada vez menos ruins. As estatísticas finais do IBGE apontam para uma queda da renda nacional de 4,1%, a pior em 30 anos, que, no entanto, veio carregada de certa sensação de alívio, graças à boa recuperação no quarto trimestre.

Três fatores evitaram o pior. O primeiro foi o pagamento de R$ 294 bilhões em auxílios emergenciais, que garantiram a manutenção de algum nível de consumo e, portanto, da atividade econômica.

O segundo fator vem acontecendo lá fora: uma boa recuperação da economia mundial a partir do segundo semestre de 2020. No quarto trimestre de 2020, os Estados Unidos ainda vinham regredindo a um ritmo de 2,4% ao ano; a zona do euro, a 5,1% ao ano; mas a China cresceu 6,5% ao ano. Essas economias deverão apresentar forte reação neste 2021. Contribuiu para isso o despejo de recursos, tanto pelos grandes bancos centrais que recompraram títulos públicos como dos Tesouros (despesas fiscais) dos países de industrialização avançada.

Essa virada global acionou o terceiro fator que conteve queda maior do PIB no Brasil. Foi o boom mundial das commodities, que proporcionou maior faturamento dos produtores agrícolas e das mineradoras brasileiras, embora tenha contribuído para aumento da inflação. A agropecuária foi o único setor que cresceu em 2020: 2%. A indústria recuou 3,5% e os serviços, 4,5%.

A hora não é de olhar para trás. Apesar do início da vacinação, março começa ainda mais desalentador do que começou março de 2020. Novas cepas do coronavírus se multiplicam. O número de mortes diárias vai batendo recordes e o sistema nacional de saúde está à beira do colapso. Na maioria dos Estados, o lockdown vai ficando inevitável e isso implica nova queda do consumo, da atividade econômica e aumento do desemprego.

O problema mais grave é a falta de coordenação do governo federal no combate à pandemia. Embora reconheça que a recuperação seja fator estratégico para garantir sua reeleição em 2022, Bolsonaro continua boicotando as melhores técnicas para enfrentamento da crise. É o que leva a maioria dos governadores a se rebelar.

Para tentar impedir a queda de popularidade, o governo parece cada vez mais inclinado a aprofundar políticas puramente populistas. Se isso se confirmar, o colapso fiscal será inevitável.

A sensação de descontrole afasta ou adia consumo e investimentos e a desarticulação do setor de serviços, que corresponde a mais de 70% do PIB, tende a se acentuar. Sabe-se lá o que será o PIB deste ano.

Poupança e Investimento

O gráfico pode passar a impressão que a poupança e o investimento aumentaram no ano de crise de 2020. Mas são números que guardam proporção ao PIB. Se o PIB descarrilhou 4,1%, a base de comparação também ficou menor. Mas há mais dois fatores a levar em conta. Primeiro, a alta da poupança. Boa parte se explica com o adiamento do consumo em meio à crise. Parte do avanço da participação dos investimentos no PIB pode ser explicada por aqueles projetos que não puderam parar.