O Estado de São Paulo, n. 46523, 03/03/2021. Política, p. A4

STF rejeita processo contra Lira por "quadrilhão do PP"
Rafael Moraes Moura
03/03/2021



Lava Jato. Segunda Turma da Corte arquiva denúncia de organização criminosa contra o presidente da Câmara e mais três parlamentares na investigação sobre desvios na Petrobrás

Voto. Kassio Nunes Marques se alinhou a Gilmar Mendes e Lewandowski contra a denúncia

Por 3 a 2, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem arquivar a denúncia de organização criminosa apresentada pela Procuradoria-geral da República (PGR) contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), e outros três parlamentares no caso conhecido como “quadrilhão do PP”. O resultado marca mais uma derrota da Operação Lava Jato na Corte.

A decisão da Segunda Turma beneficia, ainda, os deputados Aguinaldo Ribeiro (PB) e Eduardo da Fonte (PE), além do senador Ciro Nogueira (PI), todos do Progressistas e investigados no âmbito de um inquérito que apura desvios bilionários na Petrobrás. A denúncia da PGR, apresentada em setembro de 2017, diz que o esquema também atingiu a Caixa e o antigo Ministério das Cidades, que foi comandado por Ribeiro, com o objetivo de obter propina de forma institucionalizada.

Lira foi acusado de receber R$ 1,6 milhão de propina paga pela Queiroz Galvão e de ser beneficiado com R$ 2,6 milhões de vantagens indevidas, por meio de doações eleitorais “oficiais”, realizadas pela UTC Engenharia.

A investigação do “quadrilhão do PP” sofreu uma reviravolta no Supremo após a aposentadoria de Celso de Mello e a chegada de Kassio Nunes Marques – o primeiro indicado para a Corte pelo presidente Jair Bolsonaro, em novembro do ano passado. Ciro Nogueira, presidente do Progressistas e um dos líderes do Centrão, foi avalista da indicação de Nunes Marques – a quem já chamou de “nosso Kassio” – para a vaga no Supremo. A entrada do magistrado mudou a correlação de forças no tribunal.

Na sessão de ontem, Nunes Marques se alinhou aos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, dois expoentes da ala garantista do STF, mais crítica aos métodos de investigação da Lava Jato. O trio impôs novo revés para o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin. Assim, com o voto de Nunes Marques, houve maioria para arquivar o caso.

Em um voto de 46 páginas, Gilmar destacou mensagens privadas atribuídas a integrantes da hoje extinta força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, obtidas por hackers que invadiram o celular de autoridades. Nas conversas reservadas, os procuradores discutiram a estratégia para a construção da denúncia. “As recentes revelações de diálogos, quer lícitos ou não, sugerem que a apresentação da denúncia nos presentes autos era tão somente um “pé de apoio” para um projeto político próprio do Ministério Público, que perpassava justamente essa estratégia de deslegitimação do establishment partidário para, talvez no futuro, apresentar-se como solução: instaurar o caos para afiançar a moralidade”, afirmou Gilmar.

Nunes Marques endossou a posição do colega, sob o argumento de que o inquérito dizia respeito a investigações já “arquivadas, rejeitadas ou sequer iniciadas em virtude da fragilidade dos colaboradores e das provas produzidas”. “A denúncia se apoia basicamente nos depoimento dos colaboradores premiados, sem indicar os indispensáveis elementos autônomos de colaboração que seriam necessários para verificação da viabilidade de acusação.”

Fachin fez uma intervenção no julgamento e tentou convencer os magistrados a negar os recursos, mas foi derrotado. Apenas Cármen Lúcia defendeu o prosseguimento das investigações, com a abertura de uma ação penal. “O que mina a credibilidade de instituições em uma democracia é exatamente a corrupção, que precisa ser combatida nos termos da lei, dentro da lei, sem nenhuma exorbitância ou exacerbação de quem quer que seja”, afirmou Cármen.

Linha sucessória. O resultado do julgamento não resolve a controvérsia envolvendo a possibilidade de Lira assumir interinamente a Presidência na ausência de Bolsonaro e do vice, Hamilton Mourão. Atualmente, o 

deputado é o segundo na linha sucessória. Um precedente do STF estabeleceu que réus em ações penais podem até comandar uma das Casas do Congresso, mas não substituir o presidente e o vice, caso os dois estejam fora do território nacional.

Além do “quadrilhão do PP”, que agora será arquivado, a Primeira Turma do STF já aceitou uma denúncia contra Lira em outro inquérito, no qual ele é acusado de corrupção passiva. De acordo com a PGR, o deputado recebeu propina de R$ 106 mil em troca de apoio político para manter Francisco Colombo no cargo de presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).

Em novembro do ano passado, um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Dias Toffoli “travou” a abertura de ação penal contra Lira. Não há previsão de quando a discussão do caso será retomada.

Para os advogados de Arthur Lira, Pierpaolo Bottini e Marcio Palma, a decisão representou o reconhecimento de que “é preciso cuidado com a delação premiada”. Na avaliação do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, defensor de Ciro Nogueira, a decisão do STF “resgata a confiança no sistema de Justiça”. O advogado Marcelo Leal, defensor de Dudu da Fonte, disse que o julgamento põe fim à “tentativa de indevida criminalização da atividade política”. Aguinaldo Ribeiro disse que o resultado é “um exemplo de que não se deve condenar por antecipação”.

PARA LEMBRAR

Denúncia foi feita em 2017 

Em 2017, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciou políticos do PP por organização criminosa. A investigação foi aberta na primeira leva de inquéritos pedidos por Janot ao STF na Lava Jato, em 2015. Mais tarde, a PGR pediu para fatiar a investigação em quatro: PP, PMDB do Senado, PMDB da Câmara e PT. Delator, o doleiro Alberto Youssef disse a investigadores na época que "só sobram dois no PP", em referência ao envolvimento de nomes da sigla no esquema de corrupção na Petrobrás.