O Estado de São Paulo, n. 46520, 28/02/2021. Economia & Negócios, p. B1

Brasileiro muda hábitos financeiros e quer poupar após trauma da pandemia
Luciana Dyniewicz
28/02/2021



Queda na renda por causa da crise da covid-19 faz 69% dos brasileiros afirmarem ter intenção de economizar mais no futuro, diz estudo

A pandemia e as consequentes medidas de distanciamento social deixaram milhões de pessoas sem fonte de renda e dependentes do socorro financeiro do governo. O trauma dessa situação tem potencial para mudar a relação com o dinheiro dos brasileiros, que historicamente não têm o costume de poupar. Pesquisa da consultoria Oliver Wyman aponta que 69% dos cerca de 4 mil entrevistados no País querem economizar mais depois da pandemia.

A coordenadora de marketing Isleiny Barreto, de 32 anos, está entre os brasileiros que estão reaprendendo a administrar as finanças. Ela foi demitida no fim de março do ano passado, assim que as medidas de distanciamento social foram impostas. Sem fonte de renda, teve de voltar a viver com a mãe.

Isleiny conseguiu um novo emprego em setembro e pôde voltar a morar sozinha, com hábitos financeiros mais austeros. Quitou todas as dívidas e, em uma planilha, estudou onde estavam os gastos supérfluos. Antes frequentes, compras de roupas e acessórios foram eliminadas. "A única coisa que ainda não estou conseguindo economizar é com alimentação. Não tenho muito tempo para cozinhar. Então acabou pedindo (delivery)", diz ela, que tem guardado até 40% de seu salário.

A mudança no comportamento de Isleiny reflete, por enquanto, apenas a intenção dos brasileiros, e não a realidade. Segundo levantamento da Oliver Wyman, apesar de a maior parte da população pretender economizar mais, as pessoas ainda não têm dinheiro para isso, pois perderam renda nos últimos meses.

A pesquisa mostra que a renda de 46% dos entrevistados caiu na pandemia. O número é próximo ao do total de pessoas que reduziram suas economias no período: 47%. Ainda segundo o estudo, apenas 16% dos brasileiros conseguiram, como Isleiny, aumentar o volume economizado no último ano.

Para Eliane Tanabe, planejadora financeira e integrante da comissão de certificação da Associação Brasileira de Planejadores Financeiros (Planejar), ainda que a pandemia tenha reduzido a renda dos brasileiros, ela tem potencial para transformar o hábito das pessoas. "Quando há uma crise tão forte, é natural que as pessoas comecem a repensar. Essa crise deixou claro que a renda pode cessar ou diminuir."

Eliane conta que já tem percebido essa mudança nas conversas com os clientes. Há poucos dias, um deles, que está se organizando para comprar um imóvel, levantou a possibilidade de que a casa seja mais barata para não precisar mexer em sua reserva de emergência. "Em outros tempos, a pessoa dava todo recurso que tinha para comprar o imóvel e tomava empréstimos. Hoje, ela está mais pé no chão."

O presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin), Reinaldo Domingos, porém, põe em xeque o potencial de transformação da pandemia. Para ele, os brasileiros devem gastar mais quando a crise da covid acabar, já que vão voltar a viajar e a frequentar restaurantes e cinemas.

"As pessoas esquecem as coisas rapidamente, e o modelo mental de orçamento do brasileiro é ganhar, gastar e, se sobrar, fazer alguma coisa." Domingos destaca que, para haver uma mudança concreta na relação do brasileiro com o dinheiro, é preciso ampliar a educação financeira.

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