O Estado de São Paulo, n. 46845, 19/01/2022. Economia, p.B1

 

Dívidas sugam 25% do Auxílio Brasil e frustam impulso para a economia

 

Segundo estudo da CNC para o 'Estadão/broadcast', dos R$ 84 bi do programa em 2022, R$ 21,62 bi deverão saldar débitos em vez de aquecer vendas do varejo e serviços
DANIELA AMORIM

CÍCERO COTRIM

 

Dos R$ 84 bilhões do programa em 2022, R$ 21,62 bilhões deverão saldar débitos em vez de aquecer vendas e serviços, aponta estudo da CNC.

O aumento do endividamento da população a patamares recordes ao longo da pandemia de covid-19 deve subtrair do varejo e dos serviços mais de um quarto dos recursos que serão injetados na economia pelo Auxílio Brasil, segundo cálculos da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) feitos com exclusividade para o Estadão/broadcast. O governo começou a pagar o benefício ontem.

Dos R$ 84 bilhões a serem liberados a 17,5 milhões de pessoas em 2022 (considerando o benefício mensal de R$ 400), os autores do estudo projetam que 70,43% serão revertidos em consumo imediato, o equivalente a R$ 59,16 bilhões: R$ 28,04 bilhões gastos no varejo e R$ 31,12 bilhões, em serviços.

Outros R$ 21,62 bilhões (25,74%) serão, conforme o estudo, destinados ao pagamento de dívidas, enquanto R$ 3,21 bilhões irão para a poupança (apenas 3,83%). "Apenas uma parcela muito pequena da população tem condições de poupar", lembrou o economista Fabio Bentes, responsável pelo estudo da CNC.

O economista explica que o consumo imediato depende de fatores como massa de rendimentos, nível de preços e grau de endividamento da população. Quanto maior o grau de endividamento das famílias, maior tende a ser a parcela do orçamento doméstico destinada ao pagamento de dívidas, ressalta Bentes.

"A cada 1 ponto porcentual de comprometimento da renda, o estímulo ao consumo é reduzido em 0,71%. O último dado divulgado pelo Banco Central, referente a setembro de 2021, mostrava 30,33% da renda das famílias comprometidos com dívidas. No pré-covid, na média do ano de 2019, esse porcentual era de 24,7%. Em quase dois anos, avançou mais de 5 pontos porcentuais", apontou Bentes.

A CNC projeta que 35,9% da renda das famílias brasileiras estará comprometida com dívidas na média do ano. O levantamento considera todas as contas a pagar, tanto as ainda por vencer quanto as já em atraso. A perspectiva de piora é explicada pelas condições ainda difíceis do mercado de trabalho, pela inflação elevada e pela alta na taxa básica de juros, que encareceu o crédito.

Se o patamar de endividamento recuasse ao nível précovid (24,7%), o total de recursos do Auxílio Brasil destinados ao consumo de bens e serviços seria maior, de R$ 65,91 bilhões, calcula o economista da CNC. "Teríamos uma injeção de recursos no comércio bem maior. O consumo deixará de receber um aporte da ordem de R$ 6 bilhões por conta desse aumento do endividamento", apontou Bentes.

BAIXO IMPACTO.

Para o economista-chefe da Wealth High Governance (WHG), Fernando Fenolio, o Auxílio Brasil deve ter impacto restrito no ano. O analista estima que o programa deve contribuir com 1,3% para a variação real da massa salarial ampliada, que reúne os rendimentos do trabalho e benefícios sociais e previdenciários. Esse número é insuficiente para compensar o impacto negativo de 2,7% do fim do auxílio emergencial.

"Não vai fazer grande diferença no resultado final, primeiro por causa da inflação alta, que acaba comendo parte dos rendimentos, e não é nada parecido em termos de escopo com o que foram as medidas de meados de 2020", diz Fenolio, que estima queda de 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2022. "Em termos reais, a massa salarial ampliada deve subir 0,5% este ano, o que não é uma injeção de dinheiro a ponto de levar a uma expansão do consumo."

Pelas contas da LCA Consultores, a participação do novo programa na massa de renda da população deve atingir um pico de 2,6% em junho e se manter em uma média de 2,0% ao longo do ano. "Por mais que tenha dobrado o valor do Bolsa Família, é um programa mais político do que econômico, do ponto de vista de como isso deve afetar o PIB", diz o economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores.

Com o efeito restrito na massa salarial ampliada, Fenolio, da WHG, enxerga baixo impacto do programa sobre a aprovação do presidente Jair Bolsonaro (PL) no ano da eleição. •

"É um programa mais político do que econômico, do ponto de vista do PIB."

Bruno Imaizumi

LCA Consultores