O Estado de São Paulo, n. 46843, 17/01/2022. Política, p.A6

 

 

Advogados anti-Lava Jato propõem a Lula reforma dos conselhos da Justiça e do MP

 

 

Grupo Prerrogativas diz que iniciativa é reação a 'abusos' da operação, que levou o ex-presidente à prisão; ex-ministro do Supremo e procuradores questionam proposta


Luiz Vassallo
 

Advogados alinhados a Lula e contrários à Operação Lava Jato propõem mudanças nos Conselhos da Justiça e no MP.

Alçados à condição de conselheiros de Luiz Inácio Lula da Silva, advogados de perfil crítico à Operação Lava Jato e alinhados à candidatura petista buscam emplacar uma proposta de reforma do Judiciário no futuro plano de governo do ex-presidente. Entre as prioridades estão mudanças no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a adoção do juiz de garantias. Segundo esses advogados – que, em boa parte, defenderam ou defendem réus e investigados nas ações anticorrupção –, as pautas são uma reação a "abusos" da Lava Jato, que levou Lula à prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.

A proposta vem sendo elaborada pelo Grupo Prerrogativas, patrocinador de um jantar em dezembro, em São Paulo, que marcou a primeira aparição de Lula ao lado do ex-governador Geraldo Alckmin. Criado em 2014 como uma reação de criminalistas à operação, o grupo age para "desconstruir" a imagem do ex-juiz Sérgio Moro – que condenou Lula e hoje é seu adversário na disputa pelo Planalto (mais informações nesta página). O movimento se alinha no PT a quem considera um eventual futuro governo Lula como a oportunidade para um "acerto de contas". Por isso mesmo, já desperta alertas e objeções de procuradores e nomes da Justiça.

"Lula é a única liderança política capaz de liderar um processo de revisão dos nossos mecanismos de fiscalização e controle, CNJ e CNMP, porque foi o presidente que mais respeitou as instituições", disse ao Estadão o coordenador do Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho. "Portanto, não tem nenhum constrangimento em oferecer apoio para ele. É consequência natural."

Filiado ao PT, Carvalho foi coordenador do setorial jurídico do partido e se tornou próximo de Lula. Ele passou o réveillon na residência do ex-presidente, em São Paulo, ao lado do ex-prefeito Fernando Haddad e do deputado Rui Falcão (PT-SP). Em 2018, a candidatura de Haddad à Presidência foi apoiada pelo Prerrogativas.

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso disse suspeitar do "desejo oculto por trás" da iniciativa. "Não conheço os termos da proposta. Assim, não tenho o que opinar relativamente ao seu mérito. Todavia, sempre receio proposta de reforma de órgão de controle do Ministério Público, do Judiciário, dos advogados e da imprensa. Sempre há um desejo oculto por trás. E é surpreendente que uma tal proposta venha de associação de advogados", afirmou.

Após formulada, a proposta de mudanças no sistema de Justiça será sugerida e poderá integrar o plano petista para 2022. Nomes como o governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), e o ex-deputado Wadih Damous (PT-RJ) devem ser ouvidos. Também farão parte das discussões experientes criminalistas sem filiação partidária ou ligação com o PT, como Alberto Toron, que defende o deputado Aécio Neves (PSDBMG), e Antonio Claudio Mariz de Oliveira, advogado do expresidente Michel Temer (MDB). Mariz disse que ainda não foi chamado, mas que o Prerrogativas tem "muito a colaborar para qualquer governo que entrar, quer seja do Lula, quer seja de outro candidato".

'PEC DA VINGANÇA'.

O ponto de partida será a Proposta de Emenda à Constituição 05, apresentada pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e que propõe mudar a composição do CNMP. O texto – que foi rejeitado – endurecia prazos de prescrição em processos disciplinares contra promotores e procuradores, retirava vaga do MP do DF, transferia à Câmara e ao Senado a escolha de um integrante da carreira para o conselho e abria caminho para que a corregedoria do MP passasse a ser exercida também por conselheiros de fora da categoria.

No Congresso, a PEC passou por alterações, que previam, por exemplo, que o CNMP tivesse o poder de anular investigações. Após pressão de entidades do Ministério Público, foi rejeitada. À época, promotores e procuradores apelidaram o projeto de "PEC da Vingança". Da articulação da proposta fizeram parte petistas, bolsonaristas e integrantes do Centrão.

"Quando CNMP e CNJ poderiam colocar limites ao autoritarismo de juízes e do MP, não o fizeram suficientemente. Sérgio Moro e todas as estripulias que ele fez só conseguiram ser resolvidas no STF", disse o procurador aposentado Lenio Streck, do Prerrogativas. "O CNJ foi feito para otimizar o funcionamento do Judiciário. Não foi o que aconteceu."

PREMISSAS.

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Ubiratan Cazetta, qualquer discussão para melhorar o funcionamento do conselho do MP é válida. "O problema é que as premissas estão erradas. Quando se propõe mudar o CNMP porque ele não puniu a Lava Jato você está discutindo, ou pelo menos focando, numa atividade que os conselhos (incluindo o CNJ) não têm a função de fazer", disse ele, observando que o debate passa pela "independência e autonomia do MP". "Isso tem de ser discutido abertamente, não pode ser discutido transversalmente ou sob um falso argumento de que o CNMP não pune."

Mais enfático, o procurador regional da República Bruno Calabrich, que atuou em casos da Lava Jato, chamou de "nociva" a iniciativa do grupo de criminalistas. "Merece nosso repúdio, tanto como procurador como cidadão. Essa proposta não atende o interesse público, mas pode atender o interesse de réus investigados que temem um MP independente."

JUIZ DE GARANTIAS.

Segundo advogados do Prerrogativas, outro ponto a ser levado adiante é a incorporação do juiz de garantias ao Código de Processo Penal. Trata-se de um juiz responsável somente por validar atos de investigação da polícia e do MP. Em caso de oferecimento de denúncia, outro magistrado julgaria a causa. O argumento é que a separação daria mais imparcialidade na condução de ações penais.

O instituto foi aprovado pelo Congresso, mas recebeu críticas de Moro e enfrentou resistência do presidente do Supremo, Luiz Fux – que chegou a suspender a lei e não encerrou os trabalhos para a adoção do juiz de garantias no CNJ. No fim de 2021, Fux fez audiências públicas sobre o tema.

Em 2018, Haddad propôs "repensar o papel e a composição" do CNJ e do CNMP e "instituir ouvidorias externas, ocupadas por pessoas que não integrem as carreiras, ampliando a participação da sociedade para além das corporações do sistema de Justiça".

Nos últimos anos, Lula criou relação mais próxima com criminalistas em meio a diversos processos na Justiça. No Congresso, o PT se voltou contra leis anticorrupção. E o revisionismo petista se tornou explícito. A expresidente Dilma Rousseff, alvo de impeachment, se disse arrependida de ter indicado o mais votado da lista tríplice à Procuradoria-geral da República.

A assessoria de Lula afirmou que ele "ainda não confirmou a candidatura" e não iniciou o processo "de construção de plano de governo". •

"Lula é a única liderança capaz de liderar um processo de revisão dos mecanismos de controle."

Marco Aurélio de Carvalho

Coordenador do Prerrogativas

"Receio proposta de reforma de órgão de controle do MP, do Judiciário (...) Sempre há um desejo oculto por trás."

Carlos Velloso

Ex-presidente do Supremo