O Estado de São Paulo, n. 46841, 15/01/2022. Negócios, p.B11

 

 

Burnout ganha status de doença ocupacional e eleva o papel do empregador

 

 

 

Responsabilidade das empresas cresce


Ludimila Honorato

 

Depois de ter burnout em 2017, Patricia não encontrou suporte da multinacional em que trabalhava
A síndrome de burnout foi oficializada, em 1.º de janeiro, como uma condição de saúde mental relacionada ao trabalho conforme a 11.ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), da Organização Mundial da Saúde (OMS). Considerada há mais tempo como esgotamento associado ao ambiente laboral, agora figura na categoria de doenças ocupacionais, mudança que demandará mais responsabilidade das empresas.

O quadro psíquico é "resultante do estresse crônico no local de trabalho não administrado com sucesso", diz a definição. As características envolvem sensação de esgotamento ou exaustão de energia, aumento da distância mental do trabalho ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao trabalho e sensação de ineficácia e falta de realização.

A OMS destaca que a síndrome "refere-se especificamente a fenômenos no contexto ocupacional e não deve ser aplicada para descrever experiências em outras áreas da vida". Uma vez que 30% dos mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros sofrem de burnout, segundo a International Stress Management Association, especialistas vislumbram alterações importantes nas relações de trabalho e na forma como as companhias se posicionam no mercado.

"As empresas vão passar a responder por isso com indicadores para acionistas, investidores, para a matriz, assim como hoje respondem por indicadores de acidente de trabalho. Elas vão responder por ausência por conta de burnout causado pelo ambiente de trabalho. Isso mexe com a reputação organizacional", diz a psicóloga Patricia Ansarah, cofundadora do Instituto Internacional em Segurança Psicológica.

Veruska Galvão, também fundadora do instituto, vê uma mudança na percepção do indivíduo. "Ele terá consciência de que deixou esse ambiente interferir na saúde até a exaustão e que essa responsabilidade também é da empresa. As empresas não preparadas vão ter problemas sérios", diz. Trabalhadores teriam ainda mais respaldo para buscar reparação de danos na Justiça.

Patricia teve essa experiência em 2017, quando abriu processo contra a multinacional onde trabalhava havia um ano como gerente executiva. A relação tóxica com a gestora e a pressão por resultados a qualquer custo minaram a autoconfiança e as capacidades produtiva e criativa da psicóloga. Diagnosticada com síndrome de burnout, ela não recebeu qualquer apoio da companhia.

INIMIGO SILENCIOSO. Foram seis meses de desgaste emocional e mental até o atestado. "Foi um processo silencioso. Quando percebi, já estava em estado de burnout, não me reconhecia. Quando entendi, fui diagnosticada, medicada e busquei terapia", conta. Sem acolhimento por parte do RH ou da liderança, ela buscou a linha de compliance da organização e levou o caso à matriz. Três meses depois, uma resposta veio com o desligamento da gestora dela. Mas a reparação de danos veio com um processo na Justiça no âmbito dos direitos trabalhistas, uma vez que por danos morais exigia testemunhas, o que colocaria em risco os colegas. "Hoje, na CID, poderia recorrer sem expor outras pessoas." Um ano depois, a Justiça encerrou o caso a favor dela.

O advogado trabalhista Cristóvão Macedo Soares, sócio do Bosisio Advogados, ressalva que, nas ações judiciais, a nova classificação traz detalhes a analisar com cuidado. "Quando se fala de 'estresse não administrado com sucesso', a responsabilidade é exclusivamente do empregador ou envolve também o empregado? A gente está falando de uma síndrome com aspecto subjetivo muito grande", pondera.

A consultora organizacional Caroline Marcon diz que o RH tem a responsabilidade de encaminhar os profissionais diagnosticados para acompanhamento psicológico, consultas médicas e adotar providências para restabelecer a saúde mental. "A equipe precisa avaliar as condições de trabalho da pessoa, como ambiente físico, relação com a liderança e pares, metas e clima organizacional, para melhorar as condições e prevenir novos casos", diz.

Aier Adriano Costa, especialista em medicina do trabalho e médico responsável técnico da Docway, diz que a classificação da OMS permitirá um diagnóstico e acompanhamento mais adequados. Porém, a dificuldade é o empregado trazer a queixa, devido a tabus e preconceitos. Assim, é preciso melhorar a comunicação do RH e da medicina do trabalho. •