O Globo, n. 32054, 11/05/2021. País, p.8

 

 

Gestão de Queiroga de 127 mil comprimidos de cloroquina em SP

 

 

No COVID ICC, ministro negou remessas. Michelle posou com o caixa dias antes da entrega no presidente prudente

 

BERNARDO MELLO, JOÃO PAULO SACONI E

RAYANDERSON GUERRA

opais@oglobo.com.br


Esclarecimento. Marcelo Queiroga dá depoimento ao TPI de Covid: senadores avaliam convocá-lo novamente Propaganda. Michelle Bolsonaro posa com caixas aumentadas de remédios do "kit cobiçoso" do interior de São Paulo
Dois municípios do interior de São Paulo receberam 127,5 mil comprimidos do medicamento. No ICC, o Ministro da Saúde negou a distribuição.

Na contramão do que disse o ministro da Saúde Marcelo Queiroga ao ICC da Covid na semana passada, a atual gestão da carteira continuou distribuindo à rede pública hidroxicloroquina como política de combate ao coronavírus - o remédio é ineficaz para tratar a doença. Entre o final de março e abril, após a Aposse De Queiroga, foram entregues 127,5 mil tablets em dois municípios do interior de São Paulo.

Questionado por senadores, o ministro disse não ter autorizado e não ter conhecimento dos embarques recentes da droga - ele deve ser convocado novamente para maiores esclarecimentos. A ineficácia do remédio foi reiterada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em março.

De acordo com a plataforma Localiza sus, atualizada pelo Ministério da Saúde, a pasta enviou 27,7 mil comprimidos para Limeira (SP) no dia 30 de março, uma semana após o Aposse De Queiroga. No dia 27 de abril, 100 mil cápsulas foram enviadas para Presidente Prudente (SP). A droga, uma versão da cloroquina, está na lista de substâncias citadas pelo presidente Jair Bolsonaro no que chama de "tratamento precoce" da Covid-19, que já foi desaconselhado por especialistas. Desde o ano passado, a Sociedade Brasileira de A Infectologia (SBI) afirma que estudos randomizados não indicaram benefício dessas drogas e, em alguns casos, encontraram "efeitos colaterais". Em março, a OMS alertou que a hidroxicloroquina aumenta o risco de efeitos adversos em caso de infecção pelo coronavírus.

No sábado, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, Queiroga disse não ter sido pressionado pelo governo para manter a distribuição de medicamentos para a Covid-19, incluindo cloroquina e derivados, ao contrário do que afirmam seus antecessores Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich disseram. Queiroga afirmou ainda que não autorizou ou teve conhecimento de transferências de cloroquina para estados e municípios durante sua gestão.

- Não autorizei distribuição de cloroquina na minha gestão - disse Queiroga ao CPI, acrescentando em outro momento: - Não tenho conhecimento de que haja distribuição de cloroquina na nossa gestão.

A entrega da hidroxicloroquina em Presidente Prudente ocorreu uma semana após a visita da primeira-dama Michelle Bolsonaro ao município durante uma distribuição de cestas básicas pelo interior de São Paulo, promovida pelo programa Pátria Voluntária. Michelle estava acompanhada do ministro Damares Alves (Direitos Humanos) e do secretário nacional de Assuntos Agrários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, natural da cidade.

Em São José do Rio Preto, outra cidade do roteiro, a primeira-dama posou com caixas ampliadas de remédios de "tratamento precoce" - entre eles, a hidroxicloroquina.

Procurado pelo globo, o prefeito de Presidente Prudente, Edson Thomazini (PSB), disse que só tratou da entrega de cestas básicas com Michelle. O Palácio do Planalto e o Ministério da Saúde não voltaram.

MP CHARGING

O uso dos medicamentos do chamado "kit Covid" (ivermectina e hidroxicloroquina) no município já havia sido direcionado pelo Ministério Público de São Paulo. Em março, o promotor Marcelo Creste enviou carta questionando a prefeitura que estuda amparou a decisão e alertando que "o uso indevido desses medicamentos, caso o cidadão precise ser intubado, agravará o quadro clínico do paciente".

Segundo Creste, a prefeitura negou na época que tivesse instituído como política pública o "tratamento precoce" ou o "kit Covid", e disse que o medicamento só seria fornecido com a autorização do paciente.

Após a entrega dos 100 mil comprimidos, o procurador pediu mais esclarecimentos.

Já a prefeitura de Limeira informou, em nota, que o Ministério da Saúde "colocou a possibilidade de receber o medicamento, como ocorre com vários outros", e que mais de 2,2 mil pacientes fazem uso de hidroxicloroquina.

Wentem, "Globo News" revelou que no primeiro semestre de 2020, o Exército reduziu a produção de micofenolato de sódio, medicamento imunossupressor usado por pacientes submetidos a transplantes de órgãos, em paralelo ao avanço da produção de cloroquina. Em março de 2020, quando foram produzidos 1,2 milhão de comprimidos de cloroquina, a produção do imunossupressor caiu 2 milhões de unidades.