Correio Braziliense, n. 21171, 12/05/2021. Brasil, p. 6

 

Ministério suspende vacina para grávidas

Maria Eduarda Cardim

Gabriela Bernardes

12/05/2021

 

 

Pasta segue recomendação da Anvisa, após a morte de uma mulher de 35 anos no Rio de Janeiro, vítima de acidente vascular cerebral. Especialistas afirmam que ocorrência de efeitos adversos é muito menor do que a quantidade de vidas salvas pelos imunizantes

Quase 15 dias após a inclusão das gestantes sem doenças preexistentes no grupo prioritário da vacinação contra a covid-19, o Ministério da Saúde suspendeu temporariamente a imunização de grávidas e puérperas sem comorbidades. A pasta também interrompeu a aplicação da vacina de Oxford/AstraZeneca nas gestantes com doenças preexistentes. A decisão segue nota técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), expedida na última segunda-feira, que recomenda a suspensão do uso do imunizante em gestantes. Ao menos 17 estados e o Distrito Federal já haviam decidido interromper o uso da vacina.

A suspensão ocorreu após a morte de uma gestante de 35 anos, no Rio de Janeiro. De acordo com a Anvisa, a mulher, que havia tomado a vacina da AstraZeneca, sofreu um acidente vascular cerebral hemorrágico que também resultou em óbito fetal. O caso, porém, ainda está em investigação. Até o momento, não está comprovada a relação entre a aplicação do imunizante e a ocorrência de trombose. O episódio é um dos 11 eventos adversos graves que foram observados em gestantes vacinadas no Brasil. (Veja arte).

A coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), Francieli Fantinato, destacou que a medida foi tomada de forma preventiva pelo Ministério da Saúde. "As evidências estão sendo construídas, e, nessa construção, pode haver alterações. À luz de novos conhecimentos, é importante que a gente se adapte e atualize as orientações. [...] É uma cautela que o Programa Nacional de Imunizações tem até o fechamento do caso", disse Fantinato.

A bula da vacina contra a covid-19 da Oxford/AstraZeneca não recomenda que gestantes utilizem o imunizante sem orientação médica. No Brasil, ao todo, 22.295 gestantes foram vacinadas contra a covid-19, sendo 15.014 com o imunizante de Oxford. O médico ginecologista e secretário de Atenção Primária à Saúde, Raphael Câmara Parente, explicou que a vacina foi autorizada para uso de gestantes no Brasil avaliando os riscos e benefícios. À época, as autoridades médicas observavam o aumento do número de casos de infecção por covid-19 em grávidas.

"Realmente não havia evidências [sobre a segurança da vacina] nos estudos, e provavelmente demorará a ter. Mas o que a gente nota é um aumento muito grande dos casos de óbito e internação de grávidas. [...] Naquele cenário epidemiológico do Brasil, a decisão foi tomada por uma avaliação do risco e benefício, que favorecia a vacinação de grávidas.", comentou.

O secretário ressaltou que a decisão do ministério de suspender o uso do imunizante da AstraZeneca em gestantes tem intuito de prevenir a ocorrência de novos óbitos. "É muito difícil a tomada de decisão do que fazer nesse caso quando aparece um caso de óbito. Então, claramente o PNI e o Ministério da Saúde estão agindo por cautela, e assim deve ser feito quando a gente está no estado inicial de estudo, que é uma doença nova. Então, a gente está agindo com cautela, até se montar melhor as evidências e ser possível tomar essa decisão de uma forma mais sedimentada", completou Raphael Parente.

Segunda dose
A vacinação de grávidas e puérperas com comorbidades foi mantida pelo Ministério da Saúde, mas só deve ser feita com doses da vacina CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan no Brasil, e da Comirnaty, imunizante da Pfizer/BioNTech. "O perfil de risco-benefício da vacinação neste grupo é altamente favorável", justificou Fantinato. Já em relação às gestantes que tomaram a primeira dose da vacina da AstraZeneca, a recomendação é de que se suspenda a segunda dose até novas informações do Ministério da Saúde.

Essas novas orientações serão detalhadas nos próximos dias, em uma nota técnica que será emitida pelo Ministério da Saúde. "Até o final da semana, a gente vai estar emitindo a nota técnica com os encaminhamentos para poder orientar a nossa população", prometeu a coordenadora do PNI.

Riscos baixos
Às gestantes que já tomaram a primeira dose da vacina da AstraZeneca, a ginecologista obstetra Júlia Alencar recomenda que mantenham a calma. Segundo ela, os efeitos adversos são mínimos quando comparados com os riscos da covid-19. "A gravidez, por si só, aumenta o risco de trombose. O período mais crítico são os 45 primeiros dias após o parto. O risco de um evento trombótico nesse ciclo gravídico-puerperal é cinco a seis vezes maior do que em mulheres não grávidas. Milhões de gestantes foram imunizadas no mundo e pouquíssimas tiveram complicações graves. A taxa de trombose relacionada à vacina em questão é muito baixa, estimada em 0,0004%", afirma.

Alencar ainda destaca que as gestantes fazem parte do grupo de risco. Por isso, mesmo aquelas que já se vacinaram devem manter com os cuidados recomendados. Segundo ela, uma gestante que contrair covid está exposta a diversos perigos, tais como risco maior de internação hospitalar; risco de internação em UTIs; prematuridade; restrição de crescimento fetal; pré-eclâmpsia. "É importante que as gestantes estejam mais atentas às recomendações de usar máscaras, lavar as mãos, evitar aglomerações e que se possível se vacinem", comentou a ginecologista.

* Estagiária sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza