O Estado de São Paulo, n. 46508, 16/02/2021. Política, p. A4

Investigações atingem 8 dos 14 nomes das Mesas
Vinícius Valfré
16/02/2021



Justiça. Maior parte dos parlamentares da cúpula do Congresso é alvo de acusações que envolvem crimes como a contratação de funcionários fantasmas em gabinetes e até estupro

A articulação do Palácio do Planalto com o Centrão para controlar o Congresso levou à cúpula da Câmara e do Senado parlamentares com extensa folha de pendências com a Justiça. Dos 14 integrantes das Mesas Diretoras de ambas as Casas (presidente, vices e secretários), oito respondem ou são investigados por crimes diversos que vão de estupro e recebimento de propina até contratação de funcionários fantasmas e fraude em licitação.

Todos foram alçados às funções pelos colegas parlamentares e com uma ajuda extra do presidente Jair Bolsonaro. Como o Estadão revelou, o governo liberou ao menos R$ 3 bilhões em recursos extras para captar parte dos votos que elegeram Arthur Lira (Progressistas-AL) presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para o comando do Senado e a consolidar uma maioria governista em postos-chave do Congresso.

As demandas judiciais, no entanto, passaram ao largo das discussões para a formação das respectivas Mesas. O único que sofreu algum desgaste por figurar no banco dos réus foi Lira, alvo da Lava Jato e de outros inquéritos. Mas, apesar do discurso anticorrupção repetido a exaustão na campanha eleitoral de 2018, o histórico do líder do Centrão não impediu Bolsonaro de abraçá-lo.

Lira é réu no chamado caso do “quadrilhão do PP”, formado por parlamentares que se articularam para desviar dinheiro da Petrobrás, segundo a Procuradoria-geral da República. Também é acusado de corrupção por indícios de ter recebido R$ 106 mil em propina para emprestar apoio político ao então presidente da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos. Um assessor de Lira, de acordo com a denúncia, foi escalado para levar o dinheiro de São Paulo a Brasília. Foi descoberto ao camuflar cédulas pelo corpo.

Nos escaninhos do Judiciário de Alagoas, o nome de Lira também se repete. Além de órgãos de fiscalização, há litígios com pessoas comuns. Um deles se arrasta desde 2018. Fazendeiro, o deputado arrendou uma propriedade para criar 400 cabeças de gado. Pouco depois, disse que a terra só estava em condições de receber 50 e deixou de pagar o valor contratado. O proprietário faleceu e a família segue sem receber. “Ele se recuperava de um câncer e nem isso amoleceu o coração do deputado. Recuperamos a terra e continua o processo de cobrança dos débitos”, contou o advogado Igor Manoel de Barros Bezerra, que representa a família.

A 2.ª Secretaria da Câmara é da deputada Marília Arraes (PT-PE). Aliada de Lira, ela impôs uma derrota ao próprio partido ao vencer a disputa interna e ficar com o cargo. O Ministério Público de Pernambuco ajuizou ação que pede a devolução de R$ 156 mil gastos, segundo o órgão, para pagar quatro assessores que não davam expediente na Câmara do Recife. O caso é de quando ela era vereadora na capital pernambucana.

Em novembro de 2020, a carreira política do senador Irajá Silvestre Filho (PSD-TO) sofreu um abalo. Uma modelo de 22 anos acusou o parlamentar, de 38, de a ter estuprado em um hotel, em São Paulo. O caso teve grande repercussão. Menos de três meses depois, antes de qualquer desfecho na investigação aberta pela polícia paulista, ele foi eleito pelos pares 1.º secretário do Senado, função com elevado poder político e administrativo.

Gestores. Além de Irajá e Romário, os outros quatro senadores são alvo de ações resultantes de atos praticados ainda como gestores, quando eram do Poder Executivo em seus respectivos Estados. São casos que se arrastam há anos na Justiça e passam pelo chamado “elevador processual”, um vaivém de instâncias e esferas competentes para cuidar dos processos.

Aliados minimizam as pendências jurídicas e confidenciam o espírito de corpo do Congresso, porque, segundo eles, parlamentares que foram ou pretendem ser gestores estão passíveis de serem processados pelo que chamam de “burocracias” da gestão pública.

É o caso de Rogério Carvalho (PT-SE), condenado em primeira instância, em 2019, por irregularidades em contratos assinados quando foi secretário de Saúde de Sergipe. Já o 4.º secretário, Weverton Rocha (PDT-MA), comandou a pasta de Esportes do Maranhão e ainda responde a ação por indícios de fraudes em um contrato de 2008.

O 1.º vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), e o 2.º Secretário, Elmano Ferrer (Progressistaspi), têm pendências relacionadas aos períodos em que foram prefeitos de suas cidades, Campina Grande (PB) e Teresina (PI), respectivamente. Os casos envolvem suspeita de contratação de empresa fantasma a repasses eleitorais não declarados – caixa 2 de campanha.

Na Mesa Diretora do Senado, a exceção é Pacheco. Aos 44 anos, tem uma ascensão meteórica. Antes do atual mandato de senador, teve apenas um de deputado federal. Fez carreira na advocacia. Costumava frequentar tribunais não como réu, mas como advogado deles. Atuou em crimes variados, de homicídio a corrupção. No mensalão, defendeu o ex-diretor do Banco Rural Vinicius Samarane.

Investida

R$ 3

bilhões em recursos extras o Planalto gastou para captar parte dos votos que elegeram Arthur Lira (Câmara) e Rodrigo Pacheco (Senado)

A CÚPULA DO CONGRESSO PROCESSADA

Maioria dos integrantes das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado responde  a investigações na Justiça

CÂMARA

Arthur Lira (PROGRESSISTAS-AL)

PRESIDENTE

INVESTIGAÇÃO:  Réu no STF no caso do “quadrilhão do PP” e outro envolvendo a CBTU. Também responde a ações na Justiça de AL que vão de “rachadinha” na Assembleia Legislativa alagoana a uma dívida relacionada a uma fazenda

Marília Arraes (PT-PE)

SEGUNDA SECRETÁRIA

INVESTIGAÇÃO: Marília Arraes (PT-PE) É alvo de ação de improbidade administrativa sob suspeita de manter funcionários fantasmas na Câmara Municipal do Recife

SENADO

Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB)

PRIMEIRO VICE-PRESIDENTE

INVESTIGAÇÃO: Suspeitas sobre desvios de verba pública e apropriação indébita previdenciária quando foi prefeito de Campina Grande

Irajá Silvestre Filho (PSD-TO)

PRIMEIRO SECRETÁRIO

INVESTIGAÇÃO:  Foi acusado no ano passado de estuprar uma modelo

Elmano Férrer

(PROGRESSISTAS-PI)

SEGUNDO SECRETÁRIO

INVESTIGAÇÃO: Pendências ligadas à contratação de servidores quando foi prefeito de Teresina. É alvo também de procedimento no STF sobre caixa 2

Romário Faria (PODEMOS-RJ)

SEGUNDO VICE-PRESIDENTE

INVESTIGAÇÃO: Inquérito apura se o senador e 9 deputados usaram de forma irregular verba de gabinete para contratar empresa de publicidade

Rogério Carvalho (PT-SE)

TERCEIRO SECRETÁRIO

INVESTIGAÇÃO: Responde a ação de improbidade pelo período em que foi secretário de Saúde de Sergipe

Weverton Rocha (PDT-MA)

QUARTO SECRETÁRIO

INVESTIGAÇÃO: É alvo de investigação por superfaturamento de contrato firmado quando foi secretário de Esportes do Maranhão